domingo, 20 de abril de 2008

O PROMETIDO É DEVIDO (continuação do assunto anterior)

Como dizia no final do último “post”, no dia em que consegui fotografar o Papa-ratos (Ardeola ralloides), tinha previsto fazer um pequeno percurso apeado pela margem esquerda do Rio Cávado em Fão, por uma zona popularmente conhecida por “Paul” mas cujos elementos físicos e biológicos mais abundantes são os característicos de um “Juncal”. Refiro-me a toda aquela área que se estende desde o Cortinhal até ao cais do Caldeirão junto do qual se desenvolve uma “Galeria ripícola” dominada por amieiros (Alnus glutinosa), salgueiros (Salix spp.), freixos (Fraxinus sp.), alguns pilriteiros (Crataegus monogyna) e é atravessada por uma linha de água desviada do leito principal do Cávado onde, efectivamente, restam vestígios de alguma vegetação típica de pauis, como a tábua (Typha sp.), o caniço (Phragmites australis) ou o lírio-amarelo (Iris pseudacorus). E foi precisamente ali onde me apercebi da presença daquela ave que certamente terá aproveitado o refúgio que lhe era proporcionado para descansar um pouco e alimentar-se. Entretanto, desde ali, percorreu toda a linha de água até junto do Cortinhal onde permaneceu a deliciar-se com um “banquete” de (pelo que observei) pequenos peixes e crustáceos. Espero que tenha usufruído da “estadia” e recuperado as forças necessárias para a longa viagem – deve estar em migração.

Mas enquanto escrevo estas linhas, começo a sentir que, querendo ser responsável, não posso propor-me a fazer uma descrição daquele habitat sem me referir aos diversos factores de ameaça ambiental a que tem estado sujeita toda a aquela área. De facto, ali tem ocorrido um rol imenso de actos criminosos (sim crime, poluir e atentar contra a Natureza constitui um crime punível por Lei) nada dignos de uma civilização que se quer evoluída, a saber:



- a envolvente daquela linha de água, por mais inacreditável que se afigure a situação, ainda é local de eleição para a deposição de aterros provenientes de demolições ou obras, resíduos sólidos urbanos (RSU), entre os quais os chamados “monstros” como frigoríficos, fogões, máquinas de lavar e uma panóplia infindável de electrodomésticos em fim de vida – a CME ou a EAmb, instituições que deveriam diligenciar no sentido de remover aqueles lixos, limitam-se a, com auxilio de retro escavadoras, abrir grandes buracos e enterram-nos ali mesmo, num esforço claramente infrutífero, pois perante a falta de interesse manifestado por aquelas autoridades, os prevaricadores voltam ao acto;

- a “meia dúzia” de metros daquele ponto está instalado um centro de recolha para compostagem de resíduos provenientes da limpeza e manutenção dos jardins ou hortas mas, ainda assim, ignora-se tal proximidade e ali se continua a despejar “resíduos verdes” e até carcaças de animais – livremente;

- durante muitos anos foi para ali que industria(s) instalada(s) nesta terra fazia(m) afluir as suas descargas poluentes líquidas ou diluídas mas, com o seu encerramento, apenas se ficou a perceber que as explorações agro-pecuárias também o faziam e continuam – impunemente;

- verificou-se ainda que alguém se lembrou de promover a circulação indevida de veículos motorizados naquela área (interdita ao trânsito), tendo para o efeito, pura e simplesmente, aterrado parte da dita linha de água, interrompendo o seu curso normal – com todas as implicações negativas que isso representa para a estabilidade do ecossistema;

- esta última situação ainda contribuiu para facilitar o acesso ao seio do “juncal” onde alguns corajosos se têm arriscado a extrair os inertes (o chamado areão), um autêntico roubo de um recurso que nos pertence a todos – para os autores destes actos, estão previstas multas que ascendem a alguns milhares de Euros – cuidado;

- durante a época da migração outonal das aves da família Fringillidae, como os Pintassilgos (Carduelis carduelis) ou os Lugres (Carduelis spinus), é por ali que muitos Homo sapiens pouco sapiens (sapiens = a sabedoria) se ocultam sob a vegetação para se dedicar à captura (ilegal) daquelas espécies – actividade muito lucrativa mas que, não tarda, ficará cara aos seus praticantes;

- nos últimos anos, como se aquela lista de factores nefastos para o meio ambiente não fosse suficiente, começaram a proliferar espécies exóticas infestantes, as acácias como as Austrálias (Acacia longifolia) ou as Mimosas (Acacia dealbata) que estão a substituir a um ritmo assustador as espécies nativas e a delapidar a nossa valiosíssima biodiversidade – os membros da Associação Assobio já iniciaram um esforço de combate a esta situação.

Enfim, em pouco mais de um hectare de área protegida (a zona a que me refiro está inserida dentro dos limites do Parque Natural Litoral Norte) ocorrem quase todos os factores de degradação ambiental conhecidos e tudo isso verifica-se perante os olhos de autoridades inoperantes.

Até me apetece dizer que esta vergonha deve estar a interessar a alguém…

Com isto, já me alonguei demasiado e ainda não consegui enunciar a longa lista de espécies da avifauna ou de mamíferos com muito interesse do ponto de vista conservacionista que por ali vai ocorrendo com maior ou menor frequência.
(CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO)



PS. Anexo um excerto do (recentemente publicado e sobre o qual me vou debruçar num próximo “post”) RELATÓRIO DE PONDERAÇÃO DA DISCUSSÃO PÚBLICA DO PLANO DE ORDENAMENTO DO PARQUE NATURAL DO LITORAL NORTE para ajudar a tentar perceber que “interesses” se desenvolvem em torno daquela potencial "pérola" natural:
«Proposta de alteração ao plano (tentem adivinhar de quem): Alteração da classificação da margem esquerda do rio Cávado entre a ponte nova e a Pousada da Juventude junto ao limite das propriedades, para onde o PDM prevê a continuação do arranjo da marginal até ao Caldeirão e arranjo da marina, inviabilizado pela classificação em PPI.
Resposta (do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade): Parte da área mencionada, no troço mais próximo do rio Cávado, encontra-se classificada como PPI pelo facto de ser uma área que apresenta valores de relevância elevada, designadamente no que concerne à fauna e flora razão pela qual se considera que não deve passar a PPII. No entanto a parcela de área agrícola que se encontra mais a Sul poderá ser reclassificada para PPII, no que se refere aos arranjos na marginal do rio os mesmo poderão ser equacionados na medida em que nas áreas de PPI poderão ser aceites acções que contribuam para a manutenção e valorização dos valores naturais e paisagísticos».


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