Como muitos dos «frequentadores dos blogs made in Estuário do Cávado» já se aperceberam, no último fim-de-semana fomos visitados por um Papa-ratos ou, para ser mais preciso cientificamente, por um indivíduo da espécie de ave Ardeola ralloides (Scopoli, 1769). Acerca da ecologia da ave, se não tiverem ao alcance um qualquer guia, aconselho-vos a uma passagem pelos blogs do Carlos (Palma) Rios ou do Fernando (Eurico) Gonçalves onde se descreve a espécie com base em bibliografia da especialidade e aproveitem para contemplar algumas fotografias muito bem conseguidas do espécime referido.
Se não fosse uma ocorrência com um carácter tão insólito, limitar-me-ia a anotá-la no meu caderno de campo, observar à distância o comportamento da ave e seguir o seu destino. Mas não, este facto não é comum por estas paragens, devo até referir que ao longo dos últimos 11 anos em que me dedico à observação de aves neste estuário, nunca tinha registado por aqui esta espécie em particular. Aliás, no Anexo I à Caracterização Biológica do Parque Natural Litoral Norte (documento que serve de base à proposta do plano de ordenamento da área protegida) esta espécie não consta na extensa lista de aves referenciadas, nem como ocasional. Saliento ainda que na ficha de caracterização do Papa-ratos disponível no Plano Sectorial da Rede Natura 2000 (PSRN 2000), a área de distribuição potencial da espécie situa-se a sul do Tejo (numa nota pessoal adianto que, com relativa facilidade, se detecta a presença de um ou outro indivíduo desta espécie no Baixo Vouga Lagunar – Ria de Aveiro).
Por ser uma espécie vulnerável a alguns factores de ameaça, a Ardeola ralloides é protegida legalmente pelo Decreto-Lei nº. 140/99 de 24 de Abril (transposição da Directiva Aves *), constante, portanto, no Anexo I do Decreto-Lei nº. 49/2005 de 24 de Fevereiro; e, ainda consta no Anexo II do Decreto-Lei nº. 316/89 de 22 de Setembro (transposição da Convenção de Berna **), estando estimada para Portugal Continental a ocorrência (invernantes e nidificantes) de uma população de adultos inferior a 50 (cinquenta) indivíduos. No nosso País esta espécie dispõe de estatuto de conservação de Criticamente em Perigo – população nidificante e Em Perigo – população invernante (PSRN 2000). Por sua vez, o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal atribui a esta espécie o estatuto indeterminado em virtude de, embora descrita como pouco abundante, a sua tendência populacional ser desconhecida.
Convém agora fazer aqui um “parágrafo” e introduzir outra ideia.
Quase que podemos dizer que Portugal Continental, em termos biogeográficos ***, é um território dividido em dois. De modo muito simplificado, isto quererá dizer que está definida pela comunidade científica uma fronteira (situada sensivelmente na zona de Aveiro atravessando todo o País de oeste para leste) a partir da qual, para sul (Região Mediterrânica) se desenvolvem ou ocorrem comunidades de organismos (fauna e flora) diferentes das do norte (Região Eurosiberiana) onde se situa o Minho. De facto, não é difícil perceber essa diferença. Mesmo os mais distraídos, por exemplo, numa viagem de comboio Porto – Lisboa, a partir de determinada altura ainda antes de chegarem a Coimbra, reparam que a paisagem natural (e até a edificada, claro) muda substancialmente. Aquelas Regiões Biogeográficas acima indicadas são parcelas gigantescas do planeta Terra, o que significa que nós (no norte e centro de Portugal) estamos praticamente no limite entre duas realidades biológicas distintas. Perante isto, torna-se mais provável a ocorrência de fenómenos similares aos que narrei nos primeiros parágrafos. Estamos habituados a observar a flora e a fauna típica da nossa região mas, com alguma frequência, surgem-nos espécies que nos são quase “exóticas”.
É por isso que quem se dedica a observar a natureza na minha terra, dificilmente se entedia ou se atreve a dizer que aqui nada se passa de novo (num claro contraste com o que ocorre ao nível social e cultural). Além dos inúmeros tipos diferentes de habitats que aqui se desenvolvem, ainda nos arriscamos a registar a pouco provável passagem de uma ave típica de zonas mais meridionais. Acrescente-se ainda que o litoral minhoto se situa em plena rota migratória das aves limícolas, entre outras, apresentando-se o Estuário do Cávado como um óptimo ponto estratégico onde habitualmente (em Março e Abril ou em Setembro e Outubro) a avifauna migrante usufrui destas paragens para repor forças, alimentando-se e descansando da longa viagem de muitos milhares de quilómetros entre as zonas mais setentrionais europeias e o sul deste continente ou mesmo do africano. Enfim, biodiversidade e animação quanto baste.
Feitas as apresentações e as justificações, sigo em diante.
As circunstâncias em que observei o espécime em causa não me são muito estranhas. O Papa-ratos é mais uma das muitas espécies de garças (Família Ardeidae / Ordem Ciconiiformes) que ocorre em Portugal. No dia em que obtive a foto com que ilustro o início desta página (2008-04-12), iniciei um percurso apeado por uma zona de Fão sobre a qual vou escrever alargadamente no próximo post (este texto já vai longo e não quero tornar-me aborrecido…)
Se não fosse uma ocorrência com um carácter tão insólito, limitar-me-ia a anotá-la no meu caderno de campo, observar à distância o comportamento da ave e seguir o seu destino. Mas não, este facto não é comum por estas paragens, devo até referir que ao longo dos últimos 11 anos em que me dedico à observação de aves neste estuário, nunca tinha registado por aqui esta espécie em particular. Aliás, no Anexo I à Caracterização Biológica do Parque Natural Litoral Norte (documento que serve de base à proposta do plano de ordenamento da área protegida) esta espécie não consta na extensa lista de aves referenciadas, nem como ocasional. Saliento ainda que na ficha de caracterização do Papa-ratos disponível no Plano Sectorial da Rede Natura 2000 (PSRN 2000), a área de distribuição potencial da espécie situa-se a sul do Tejo (numa nota pessoal adianto que, com relativa facilidade, se detecta a presença de um ou outro indivíduo desta espécie no Baixo Vouga Lagunar – Ria de Aveiro).
Por ser uma espécie vulnerável a alguns factores de ameaça, a Ardeola ralloides é protegida legalmente pelo Decreto-Lei nº. 140/99 de 24 de Abril (transposição da Directiva Aves *), constante, portanto, no Anexo I do Decreto-Lei nº. 49/2005 de 24 de Fevereiro; e, ainda consta no Anexo II do Decreto-Lei nº. 316/89 de 22 de Setembro (transposição da Convenção de Berna **), estando estimada para Portugal Continental a ocorrência (invernantes e nidificantes) de uma população de adultos inferior a 50 (cinquenta) indivíduos. No nosso País esta espécie dispõe de estatuto de conservação de Criticamente em Perigo – população nidificante e Em Perigo – população invernante (PSRN 2000). Por sua vez, o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal atribui a esta espécie o estatuto indeterminado em virtude de, embora descrita como pouco abundante, a sua tendência populacional ser desconhecida.
Convém agora fazer aqui um “parágrafo” e introduzir outra ideia.
Quase que podemos dizer que Portugal Continental, em termos biogeográficos ***, é um território dividido em dois. De modo muito simplificado, isto quererá dizer que está definida pela comunidade científica uma fronteira (situada sensivelmente na zona de Aveiro atravessando todo o País de oeste para leste) a partir da qual, para sul (Região Mediterrânica) se desenvolvem ou ocorrem comunidades de organismos (fauna e flora) diferentes das do norte (Região Eurosiberiana) onde se situa o Minho. De facto, não é difícil perceber essa diferença. Mesmo os mais distraídos, por exemplo, numa viagem de comboio Porto – Lisboa, a partir de determinada altura ainda antes de chegarem a Coimbra, reparam que a paisagem natural (e até a edificada, claro) muda substancialmente. Aquelas Regiões Biogeográficas acima indicadas são parcelas gigantescas do planeta Terra, o que significa que nós (no norte e centro de Portugal) estamos praticamente no limite entre duas realidades biológicas distintas. Perante isto, torna-se mais provável a ocorrência de fenómenos similares aos que narrei nos primeiros parágrafos. Estamos habituados a observar a flora e a fauna típica da nossa região mas, com alguma frequência, surgem-nos espécies que nos são quase “exóticas”.
É por isso que quem se dedica a observar a natureza na minha terra, dificilmente se entedia ou se atreve a dizer que aqui nada se passa de novo (num claro contraste com o que ocorre ao nível social e cultural). Além dos inúmeros tipos diferentes de habitats que aqui se desenvolvem, ainda nos arriscamos a registar a pouco provável passagem de uma ave típica de zonas mais meridionais. Acrescente-se ainda que o litoral minhoto se situa em plena rota migratória das aves limícolas, entre outras, apresentando-se o Estuário do Cávado como um óptimo ponto estratégico onde habitualmente (em Março e Abril ou em Setembro e Outubro) a avifauna migrante usufrui destas paragens para repor forças, alimentando-se e descansando da longa viagem de muitos milhares de quilómetros entre as zonas mais setentrionais europeias e o sul deste continente ou mesmo do africano. Enfim, biodiversidade e animação quanto baste.
Feitas as apresentações e as justificações, sigo em diante.
As circunstâncias em que observei o espécime em causa não me são muito estranhas. O Papa-ratos é mais uma das muitas espécies de garças (Família Ardeidae / Ordem Ciconiiformes) que ocorre em Portugal. No dia em que obtive a foto com que ilustro o início desta página (2008-04-12), iniciei um percurso apeado por uma zona de Fão sobre a qual vou escrever alargadamente no próximo post (este texto já vai longo e não quero tornar-me aborrecido…)
* Directiva Aves – é a Directiva Comunitária 79/409/CEE e pretende que cada um dos Estados Membros tome as medidas necessárias para garantir a protecção das populações selvagens das várias espécies de aves no seu território da União Europeia. Esta Directiva impõe a necessidade de proteger áreas suficientemente vastas de cada um dos diferentes habitats utilizados pelas diversas espécies; restringe e regulamenta o comércio de aves selvagens; limita a actividade da caça a um conjunto de espécies; e proíbe certos métodos de captura e abate. Inclui uma lista com espécies de aves que requerem medidas rigorosas de conservação do seu habitat. Cada Estado Membro da União Europeia deverá classificar como Zonas de Protecção Especial (ZPE) as extensões e os habitats do seu território que se revelem de maior importância para essas espécies. As ZPE declaradas por cada Estado Membro integrarão directamente a Rede Natura 2000. (Fonte ICNB)
** Convenção de Berna – tem um âmbito pan-europeu, estendendo-se a sua influência também ao Norte de África para o cumprimento dos objectivos da conservação das espécies migradoras, listadas nos seus anexos, que nesse território passam uma parte do ano. De acordo com o seu Artigo 1º, os objectivos da Convenção são conservar a flora e a fauna selvagens e os seus habitats naturais, em particular as espécies e os habitats cuja conservação exija a cooperação de diversos estados, e promover essa cooperação; é atribuído uma ênfase particular às espécies em perigo ou vulneráveis, incluindo as espécies migratórias. (Fonte ICNB)
*** Biogeografia – ramo das ciências biológicas que estuda a distribuição dos seres vivos (animais e plantas) na superfície terrestre (continentes e oceanos) e, também, as causas dessa distribuição no espaço e no tempo (ciência que relaciona o meio físico com o biológico).
NOTA: A minha máquina fotográfica é muito fraquinha como já perceberam, mas é com ela que consigo documentar algumas das “descobertas” que vou fazendo. Os postais… ficam para os artistas (já aqui me referi a dois deles).