segunda-feira, 29 de setembro de 2008

MÁSCARAS CAÍDAS

Estou plenamente consciente que os conceitos sobre mobilidade e as soluções para as acessibilidades dos electrodomésticos ambulantes * que expus nos textos aqui publicados durante este mês, não representam qualquer novidade para os decisores que ocupam os gabinetes da CME. Prova disso são as palavras divulgadas pelo Portal de Notícias do Gabinete de Relações Públicas do Município de Esposende submetida em 01 de Agosto último, aquando da realização de um festival de música realizado em Vila Chã: «Considerando que as estradas estão encerradas, para bem da circulação pedonal, o acesso à Galaicofolia faz-se em autocarros, a partir dos Estádios de Vila Chã e de Marinhas e do Posto de Turismo de Esposende, com partida de hora em hora, entre as 9h30 e as 17h30, sendo que a partir das 21h00 o transporte se faz de 15 em 15 minutos, até às 23h45. As viagens de regresso estão garantidas até às 2h15

Aliás, conforme deixei implícito no post scriptum de «NÓS CEGOS ?», não me arrogo a desvendar o que quer que seja “… já foram inventadas todas as palavras para salvar o mundo e agora só será necessário salvá-lo …”. Porem, como a ideia habitual que as nossas comunidades possuem sobre conceitos de progresso e crescimento, ainda está infelizmente associada a indústria, alcatrão e betão armado, considerei útil ter-me dirigido por este meio aos meus conterrâneos, que se vão dando ao aborrecimento de me visitar neste blog, apontando outras perspectivas ou noções de desenvolvimento divergentes das que os nossos autarcas efectivamente põem em prática nesta terra.

Então surge aqui uma pergunta óbvia: - se, como vimos, os ocupantes de cargos públicos desta autarquia já têm acesso a informação orientadora, mais consentânea com os conceitos de desenvolvimento sustentável, porque teimam na implementação de medidas tão destrutivas dos nossos espaços verdes? (Independentemente das ditas variantes trazerem ou não alguma vantagem à nossa terra, antes de tudo, e isso é indiscutível, vão por si só destruir uma parcela significativa da nossa floresta).

A resposta: - todos nós sabemos qual o uso dado aos solos que constituem o defunto Pinhal de Ofir, outrora o nosso grande orgulho, agora reservado às elites fechadas nos seus condomínios protegidos pelas muralhas erguidas à boa maneira berlinense. As ditas variantes, como é evidente, servirão apenas o fado da expansão urbana para zonas de elevada sensibilidade ecológica e de relevante valor ambiental. Numa altura em que no pólo turístico de Ofir já deixou de haver natureza para destruir e no litoral da Apúlia já não cabe nem mais uma tenda de campismo, é-nos des(mas)caradamente proposto a todos que comparticipemos na persecução dos interesses dos promotores imobiliários que seguem a sua saga interminável, até que se esgote o último reduto de Mata Dunar de Pinhal e Folhosas deste concelho.

E tudo isto, voltando costas para os nossos centros urbanos decrépitos, condenando a nossa História a uma estória de especulação imobiliária e de degradação social, cultural, paisagística e ambiental.







* Definição de AUTOMÓVEL no livro “O Estrago da Nação”, ensaio jornalístico sobre o estado do ambiente em Portugal (edição Dom Quixote, 2003, de Pedro Almeida Vieira).

NOTA: A máscara que fotografei para ilustrar este texto é mais uma produção artística da Sofia.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

APOLOGIA DO ÓBVIO

Ainda antes do último período das férias estivais, andava eu pelos movimentados corredores da minha livraria de eleição na procura habitual por mais uns livros sobre ecologia ou interpretação da natureza quando a determinada altura, reduzido à condição do comum pecador que sou, começou a apossar-se de mim aquele sentimento de frustração por não encontrar qualquer novidade que me pudesse satisfazer aquela perigosa sensação de conquista que nos atinge quando compramos algo – coisa tão pouco amiga do ambiente! E lá estava eu prestes a desistir quando, no trajecto entre a zona dedicada aos guias da natureza e a de divulgação científica, em plena secção reservada aos temas sobre «Gestão» se me prendeu o olhar num livro que ostentava na capa as letras garrafais “GANHAR COM A BIODIVERSIDADE”. Instantaneamente agarrei-o quase com medo que alguém mo roubasse e retive-me naquele breve correr de páginas obrigatório antes de decidir levá-lo para a mesa-de-cabeceira onde ficou a fazer-me companhia desde então.

Ficha Técnica
Título: “GANHAR COM A BIODIVERSIDADE
Edição: Actual Editora – Maio de 2008
Autores: João Pereira Miguel, Luís Ribeiro Rosa e Susana Barros.
Coordenação: Francisco Mendes Palma
Website:
www.actualeditora.com

Estou certo que para quem me tem acompanhado neste espaço está claro que não faz parte dos meus objectivos, enquanto bloguer, usá-lo para fins publicitários mas como entendo que os conceitos expostos naquele livro devem ser francamente assumidos como prioritários nas tomadas de decisão tanto ao nível pessoal, como em termos empresariais e obviamente políticos, sinto que não podia despedir-me da leitura daquele documento sem prestar aqui uma singela homenagem aos seus autores e aconselhar vivamente quem desempenha responsabilidades de gestão empresarial ou autárquica a uma leitura atenta. Antes de avançar devo ressalvar que não sou propriamente um adepto da protecção da biodiversidade pelos seus valores mais tangíveis porem, como nem todos desenvolvem a mesma sensibilidade abnegada para estas questões, não resisti à tentação de fazer uso daquele tipo de argumentos pela "defesa da minha dama”. Mas também não temos opção, é inquestionável que o futuro da Humanidade depende da nossa capacidade de preservar a diversidade biológica.

A minha capacidade para apresentar em resumo o que quer que seja é simplesmente péssima mas muito sumariamente posso adiantar que este livro, que surge no contexto da Iniciativa Business & Biodiversity *, promovida pelo nosso país durante a Presidência Portuguesa da União Europeia em 2007, desenvolve ao longo dos seus seis capítulos temas como a definição do conceito de Biodiversidade (variedade de formas de vida), apresenta alguns dos motivos que justificam a sua preservação (valores económicos, ambientais, éticos e emocionais), enumera os vários acordos/estratégias/tratados internacionais entre países que, reconhecendo explicitamente o fenómeno da perda de biodiversidade, fixaram a si próprios metas/objectivos para suster ou inverter as ameaças contra a vida na Terra (desde a Conferência do Rio em 1992), depois avança para abordagens aos vários tipos de oportunidades de negócio ou actividades económicas que as nossas empresas podem desenvolver na área da biodiversidade (agricultura, floresta, pescas, caça, energia, resíduos, obviamente o turismo …), terminando com exemplos concretos de experiências ou projectos empresariais nacionais que já obtiveram e, decididamente, continuarão a obter sucesso por não negligenciarem a dimensão ambiental que convertem num valor acrescentado de negócio.

Pessoalmente considero que, em termos nacionais, é de assinalar o sentido de oportunidade da edição de um livro dedicado a este tema pela especificidade de Portugal enquanto região integrada num hotspot de biodiversidade (somos particularmente ricos pela existência no nosso território de uma elevada variedade de formas de vida). Mas o que mais me chamou à abordagem deste assunto, como sempre, foi a sua pertinência em relação à realidade do Concelho de Esposende pela singular diversidade de sistemas naturais (biótopos) que por aqui ainda vão subsistindo contra um sem número de ameaças de origem humana que teimam em fazer desaparecer para sempre e a um ritmo vertiginoso o nosso valioso património natural, tornando vital a promoção de um debate urgente envolvendo os nossos decisores políticos, os agentes económicos locais e toda a sociedade civil em torno das várias potencialidades que encerra o tema Biodiversidade, entre as quais gostaria de destacar um sector que nos é tão caro – o turismo **.

É vulgar reconhecer o peso crescente do turismo na economia nacional e a sua importância como fonte geradora de postos de trabalho. Neste âmbito, penso que concordam comigo se disser que em termos climáticos o Litoral Norte de Portugal não se apresenta propriamente em condições de competir com a grande maioria dos destinos turísticos da bacia mediterrânica, onde se inclui o Algarve, ou mesmo com a região centro do nosso país. Isso não significará certamente que a nossa oferta turística está votada ao fracasso. O livro a que me refiro recorre a vários estudos e exemplos para demonstrar a viabilidade do nosso potencial no segmento do ecoturismo. Começa por enunciar as principais motivações dos nossos habituais visitantes que estarão relacionadas com o turismo de lazer e de recreio onde se insere o Turismo da Natureza, o qual, por si só e apenas na Europa, ganha cada vez mais importância (22 milhões de viagens em 2004). Depois evidencia os interesses dos europeus que nos consideram um destino adequado para esse efeito, desde que sejamos capazes de oferecer espaços naturais protegidos (e bem conservados). Conclui-se ali que, ainda assim, para se obter o êxito desejado neste sector, será essencial preparar e organizar a recepção dos desejados turistas criando ou desenvolvendo as ainda quase inexistentes infra-estruturas e serviços.

E SERÁ QUE ESTE TRUNFO SE PERPETUARÁ?

As condições biofísicas que se foram desenvolvendo no nosso litoral resultaram numa peculiar multiplicidade de comunidades vegetais que, por sua vez, servem de suporte de vida a uma infinidade de organismos (biodiversidade) cuja conservação está exposta a diversos factores de risco. As origens destes estão, neste momento, bem determinadas e identificadas pelas autoridades mas, ainda assim, persistem. A saber:

Biótopo (B): Areias de praia; cristas dunares móveis
e dunas consolidadas
Ameaças frequentes (AF): Edificação de moradias por via de um PDM simplesmente desastroso. Excesso de pisoteio e de circulação de veículos. Erosão. Obras de engenharia costeira. Invasão por flora exótica.

(B): Depressões húmidas intradunares
(AF): Captação em excesso de água dos aquíferos subterrâneos ou drenagem desadequada. Destruição directa do habitat por alteração ao uso do solo, nomeadamente através de construções, aterros, parques de estacionamento e abertura ou alargamento de caminhos e outras vias de comunicação. Invasão por plantas infestantes.

(B): Mata dunar de pinheiro e/ou de folhosas
(AF): Propagação de vegetação exótica infestante. Promoção da pressão imobiliária e turística, progressivamente mais elevada e especulativa, permitida por instrumentos de gestão territorial caducos e que teimam em não ser corrigidos por quem cometeu o erro de os elaborar. Despejo de lixo, entulho e outros resíduos. Mobilizações profundas do solo e a sua destruição, designadamente por exploração de inertes; construções várias; aterros; abertura de vias de comunicação.

(B): Caniçal
(AF): Contaminação química, escoamento e gastos excessivos de água dos aquíferos subterrâneos por via de uma agricultura desregrada. Destruição do habitat por alteração da topografia.

(B): Florestas aluviais residuais
(AF): Limpeza desregrada das margens dos cursos de água e artificialização das zonas ribeirinhas. Invasão por flora exótica. Pressão imobiliária.

(B): Estuário, prado juncal, sapal e lodaçais ou zonas intermareais
(AF): Poluição por efluentes não tratados. Dragagem de fundos. Pesca ou apanha por métodos impróprios. Obras de engenharia causadoras de alterações ao regime de correntes e à dinâmica sedimentar. Destruição directa do habitat por ocupação ou artificialização através de construções (p. ex. portos, marinas, marginais, aterros, etc). Extracção de areias.

(B): Águas dulciaquícolas correntes
(AF): Omnipresente poluição por efluentes não tratados. Dragagem de fundos. Extracção de areias. Despejo de lixo, entulho e outros resíduos.

(B): Recifes e águas marinhas
(AF): Poluição por derrame de produtos poluentes (p. ex. hidrocarbonetos). Excesso de pesca e apanha de organismos marinhos.


Que bom seria se os autarcas do Concelho de Esposende encarassem de facto o bem ou o recurso BIODIVERSIDADE numa perspectiva lúcida e esclarecida.



* O principal objectivo desta Iniciativa da União Europeia é o incremento do relacionamento entre as empresas e a biodiversidade, permitindo que se dê um contributo significativo para a protecção da biodiversidade e para a prossecução da Meta de 2010, de parar a perda de biodiversidade a nível local, nacional, regional e global.
A Iniciativa procura promover, através de acordos voluntários de longa duração, um campo comum para a colaboração entre estes dois sistemas distintos: negócios e biodiversidade, que favoreça a introdução da biodiversidade nas estratégias e políticas das empresas. Como se trata de parcerias, é necessário que existam voluntários, ou seja, que os acordos estabelecidos sejam ganhadores para ambas as partes. (Fonte ICNB)

Neste âmbito são já vários os agentes económicos nacionais que, considerando prioritária a inclusão do tema da biodiversidade nas decisões empresariais, assinaram a respectiva “Declaração de Compromisso pela Biodiversidade”.


** A autarquia esposendense até já promove um vasto programa de comemorações no Dia Mundial do Turismo.


NOTA: A foto na abertura refere-se à forma larvar da borboleta Papilio machaon obtida na Mata de Folhosas e Pinheiro localizada na ameaçadíssima área florestal entre Fão e Apúlia.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

NÓS CEGOS ?

São múltiplos os estudos a demonstrarem que com o uso generalizado do automóvel surgem no nosso modelo civilizacional inúmeros problemas que vão desde a segurança às questões ambientais, passando pela saúde pública e pela qualidade de vida das populações. Conforme as frequentes notícias que nos são debitadas por todos os meios de informação, o da segurança, especialmente em Portugal, constitui um verdadeiro drama devido aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária. Quanto às questões relacionadas com qualidade de vida, saúde pública e ambiente, não estarei a dar qualquer novidade se disser que o uso excessivo do automóvel causa vários efeitos secundários nefastos sobre os indivíduos que vão desde a poluição sonora (ruído) e mesmo visual (imagens de desordem), até à poluição atmosférica (gases de escape e os seus efeitos de estufa). Esta última, que se manifesta em cada um de nós através de problemas de índole diversa (doenças respiratórias, stress, sedentariedade, prejuízos económicos, etc), levanta ainda outras questões de incidência global e que têm estado muito presentes nos discursos dos nossos preocupados autarcas: - as alterações climáticas.

Peço-vos entretanto para que, à medida que me forem acompanhando, estabeleçam a devida comparação entre aquilo que alguns dos defensores das ditas vias estruturantes ou novas variantes apregoam com palavrinhas amigas do ambiente e o previsível resultado das suas propostas concretas, ou seja, o claro incentivo ao uso do automóvel em detrimento de medidas favoráveis ao cumprimento das metas estipuladas pelo Protocolo de Quioto.

Como referi no texto que publiquei sob o título «Propaganda Verde», ninguém repete tantas vezes a expressão “combate às alterações climáticas” como os responsáveis políticos pelo nosso concelho. Mas, afinal:

- não estarão na origem dos fenómenos relacionados com o aquecimento global as emissões de dióxido de carbono (CO2)?

- não será o sector dos transportes, essencialmente o automóvel, gerador de quantidades significativas de CO2?

- não virão as novas variantes promover ainda mais a disseminação do uso do automóvel e contribuir para a multiplicação daqueles problemas?

- não irá esse acréscimo de vias rodoviárias e os consequentes parques de estacionamento ocupar ainda mais os nossos depauperados espaços verdes vitais para o sector do turismo, fundamentais para a manutenção da nossa qualidade de vida e que tão bem desempenham o papel indispensável de sequestradores de CO2?

É óbvio, mesmo para os nossos doutos autarcas, que a resposta a todas estas questões é o SIM, só não se percebe é a incoerência das suas palavras quando se põem a apregoar providências esdrúxulas e soluções fáceis como os novos traçados rodoviários e quando entopem a nossa consciência cívica com as suas oratórias desconexas alegadamente em prol da pedagogia, da ecologia e do desenvolvimento social do nosso concelho. Sinto que nos tomam a todos por cegos.



O problema do congestionamento do trânsito na nossa terra não ocorre propriamente durante todos os meses do ano, quase que nem é um fenómeno flutuante ou sazonal, verifica-se em menos de meia dúzia de fins-de-semana no período do estival. Soluções tão definitivas, tão pesadas, tão volumosas e tão danosas para os nossos recursos e valores naturais, como as que se perspectivam, não se afiguram como as mais lógicas. Se não alterarmos profundamente o nosso sistema de transportes, correremos o sério risco de continuarmos a emendar com simples paliativos erros já antigos, ou seja, de não sair nunca do ciclo do erro. Urge uma mudança de paradigma, exigem-se políticas claras, orientadas para uma rede de transportes sustentável para que efectivamente se comece a encarar o automóvel como uma fonte inevitável de problemas e factor fundamental de degradação das condições ambientais.








É muito fácil resumir a história calamitosa da tentativa de resolução dos problemas de circulação automóvel no nosso País. Por todo o território, perante o sinal de alerta das primeiras filas, conjecturam-se umas novas variantes, mais umas quantas IP’s e IC’s e AE’s vocacionadas para grandes velocidades e poupança de tempo e, não muito tempo depois das suas aberturas, principalmente nas entradas e saídas das povoações, confirmamos que a duração das nossas viagens pouco se alterou. Depois vêm as novas pontes, mais os túneis e os viadutos e a história repete-se. E a mera repetição é apenas um mal menor pois não é raro aquele tipo de “soluções” entusiasmar os automobilistas que se multiplicam aos primeiros indícios de boa fluidez do tráfego que muito cedo volta a encalhar nos locais do costume mas, desta vez, de modo ainda mais ampliado. E é bem dispendioso para a sociedade comportar os custos destas empreitadas!







As soluções, evidentemente ousadas, terão de passar pelo progressivo condicionamento da circulação e do estacionamento inadequado do transporte individual (automóvel) em zonas estratégicas durante os períodos críticos (Verão) e, numa lógica de planeamento para a sustentabilidade, apostar claramente no desenvolvimento de uma rede de transportes colectivos digna, eficiente, com elevados padrões de qualidade, bem articulados entre si, capazes de assegurarem deslocações origem-destino com altos padrões de conforto, pontualidade e regularidade. Será assim tão difícil colocar mais autocarros de pequenas dimensões a circular e ao mesmo tempo estipular altos preços de estacionamento junto às praias e áreas de lazer ou portagens à entrada, como se faz em tantas áreas naturais protegidas, grandes metrópoles ou pólos turísticos por essa Europa fora? Medidas desta natureza poderiam implicar um trabalho aturado que passaria pela elaboração de planos directores intermunicipais ou até regionais com o intuito de mitigar fenómenos de concorrência económica desleal entre municípios ou regiões mas, pelos resultados que se auguram, vale a pena tentar. Além disto, para cumprir com aqueles objectivos, ainda poderíamos eleger outros instrumentos como a criação de parques de estacionamento periféricos a preços mais acessíveis ou nulos devidamente servidos de ligações ao sistema de transportes colectivos e, sob pena de tudo falhar, uma (impopular eu sei) fiscalização dissuasora e eficaz.

Estou plenamente convencido que desta forma, embora reservando o acesso das áreas em referência aos moradores, ao movimento de cargas e descargas nos estabelecimentos comerciais, transportes públicos e veículos prioritários, deixaremos de uma vez por todas de converter espaços verdes e de lazer em parques de estacionamento e vias rodoviárias, ou seja, deixaremos de continuar a matar a nossa Galinha dos Ovos de Ouro. (Já agora, e porque não começarmos desde já a lutar/reivindicar por uma rede de metro ou comboio - «usar transportes públicos terá que ser uma moda» - é preciso mais amadurecimento e consolidação de uma consciência cívica e ambiental, mas ”é caminhando que se faz o caminho”).








PS:
Antes de encerrar estes dois últimos textos, não posso deixar de referir que, longe de pretender apresentar soluções para os diversos problemas da nossa terra, procuro apenas dar um modesto contributo para uma nova forma de entender o ordenamento do nosso território e os problemas relacionados com o ambiente a par da valorização da imagem dos nossos centros urbanos e da nossa paisagem natural.

NOTA : Qualquer conhecedor da realidade do nosso concelho sabe que, para obter as imagens daquelas vias desertas, apenas seria necessário limitar-se, num qualquer dos 365 dias do ano (excepto um ou outro fim-de-semana), a deslocar-se aos respectivos locais e... "click".

domingo, 7 de setembro de 2008

LES PROMENADES

A propósito dos recentes congestionamentos de trânsito ou do “colapso” das acessibilidades rodoviárias do Concelho de Esposende que ocorreram nalguns destes fins-de-semana de Agosto, particularmente em Fão, surgiram notícias acompanhadas de comentários, opiniões e sugestões muito bem-intencionadas e até pertinentes, mas face às quais gostaria de traçar algumas considerações.

Nas informações que foram sendo adiantadas naquelas notícias, enumerava-se de forma exaustiva as origens de todos os constrangimentos ao tráfego automóvel e identificavam-se todos os pontos críticos onde invariavelmente aquele meio de transporte “encalhava”, até que se apontou como solução (única) para o problema a construção da Variante Sul de Fão (ou Norte da Apúlia, como queiram). No mesmo sentido e há relativamente pouco tempo, também o executivo municipal já manifestava intenção de criação de um novo traçado rodoviário entre Fão e Apúlia, propondo, em sede de Discussão Pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural, a revisão do regime de protecção da área florestal entre estas localidades, de forma a ser permitida a construção da nova via.

E foi neste contexto que, qual acto cirúrgico, não tardou a divulgação das fotografias do “caos” a ilustrar e a fazer realçar os primeiros engarrafamentos estivais para que, de forma insuspeita, se justificassem as tais vias estruturantes que, alegadamente, representariam o “antídoto” (inquestionável) para todos os males da mobilidade nesta terra.

Previamente ao desenvolvimento da minha perspectiva sobre o assunto, não posso deixar de exprimir que entendo perfeitamente a necessidade urgente de retirar do miolo urbano parte substancial do tráfego de passagem e ainda que sou, evidentemente, adepto da promoção da boa fluidez do trânsito (não necessariamente do automóvel), porém são profundas as diferenças entre a minha concepção de mobilidade eficaz e as noções apresentadas pelos autores daquelas notícias (por sinal, coincidentes com os conceitos dos nossos autarcas).

Esboçando um “desenho” daquilo que é proposto pelos adeptos das vias estruturantes, não é difícil calcular que o que resta da área florestal entre Fão e Apúlia, zona verde com valores ambientais relevantes (daí o regime de protecção com que está classificada), será atravessada (com uma cicatriz de alcatrão obviamente) por umas quantas faixas de rodagem que estabelecerão a ligação desde as nossas praias até aos canais rodoviários vocacionados para o escoamento do trânsito... e vice-versa. E é exactamente aqui (no vice-versa) que me deparo com a primeira incongruência.

Parece-me lógico que todos nós tenhamos orgulho por viver «num concelho que concilia todas as vertentes da natureza... extensos areais e dunas, pinhais e zonas florestais, montes e arribas fósseis, rios e mar, tudo enquadrado num equilíbrio dinâmico e que permitem afirmar: Esposende, um privilégio da natureza»*, mas sejamos francos, quem gosta das imagens terceiro-mundistas proporcionadas pelas largas centenas de automóveis nos seus “promenades” domingueiros a transformarem em mega parques de estacionamento todos aqueles valores naturais? Estou certo que ninguém. Mas então (questiono), não irão as tais vias estruturantes, ainda antes de permitirem o escoamento do tráfego, ESTIMULAR AINDA MAIS A INVASÃO DO AUTOMÓVEL para estas zonas vocacionadas à livre fruição pedonal (p.ex. Pinhal de Ofir e marginais do Cávado ou até os Centros Históricos) e que deveriam ser, antes de tudo, espaços acolhedores de lazer, de agradável interacção visual com a natureza envolvente, sem o chinfrim constante dos motores a queimar carburante a interromperem o desejado silêncio e sem as constantes baforadas de combustível queimado a tirar-nos o ar puro?

As ditas Vias Estruturantes ou Variantes que, antes de tudo vêm, isso sim, canalizar e distribuir trânsito para zonas onde o estacionamento não está sequer autorizado ou para parques onde um número de lugares disponíveis é manifestamente insuficiente para acolher tantas viaturas, além de pôr em causa a função principal dos locais onde “desaguam”, resultarão num incomportável aumento da PRESSÃO DO AUTOMÓVEL em detrimento de Zonas Verdes pensadas para as pessoas e da qualidade de vida dos nossos Centros Urbanos.

Estes casos levantam uma questão: - as perdas em termos de turismo graças à ditadura do automóvel nas nossas vilas e cidades. Alguém duvida que grandes centros turísticos como Copenhaga, Londres, Praga, etc... teriam muito menos receitas turísticas se fossem cidades com tanto trânsito, tanto barulho e tão desagradáveis para andar a pé como os nossos pólos turísticos litorais? Não me refiro apenas à vinda de turistas, falo nos consumos deles também, nas esplanadas que pouco existem por cá, no comércio nos centros históricos que morre para o comércio dos shoppings onde os nossos visitantes se “abastecem” antes de nos “invadirem”.

A efectiva libertação dos automóveis e consequente desobstrução destes espaços de grande relevância patrimonial e estética e com elementos que conferem forte identidade à nossa terra, poderia trazer-nos outro dinamismo e estou convencido de que não será com Novas Variantes que aquele objectivo será alcançado. É evidente que a nossa faixa costeira é um espaço que terá sempre de permitir o acesso ao automóvel, porém, uma correcta estratégia de gestão de trânsito requer SOLUÇÕES INOVADORAS E SUSTENTÁVEIS, por vezes nada fáceis de implementar porque pouco populares, como o condicionamento da circulação e do estacionamento automóvel.

E será, de alguma forma, acerca dessas soluções que vou dedicar o próximo texto que apresentarei brevemente neste espaço.








* Extraído de uma descrição do Concelho apresentada noutro Portal de Propaganda, erro, queria dizer, no Portal de Turismo de Esposende.



PS: Também passa por cada um de nós a responsabilidade de ter uma melhor terra para viver e não devemos culpabilizar sempre os políticos e outras fontes de decisão... devemos ser nós os primeiros a abdicar do uso fútil do automóvel... se não existir procura, não haverá oferta – atrás das “variantes” quantos parques de estacionamento serão precisos criar? E quantas outras vias para escoar o trânsito que as primeiras trouxeram? E quantos parques de estacionamento a seguir? E quanta vias terão de ser feitas depois?... e... por aí fora num autêntico círculo vicioso.