domingo, 7 de setembro de 2008

LES PROMENADES

A propósito dos recentes congestionamentos de trânsito ou do “colapso” das acessibilidades rodoviárias do Concelho de Esposende que ocorreram nalguns destes fins-de-semana de Agosto, particularmente em Fão, surgiram notícias acompanhadas de comentários, opiniões e sugestões muito bem-intencionadas e até pertinentes, mas face às quais gostaria de traçar algumas considerações.

Nas informações que foram sendo adiantadas naquelas notícias, enumerava-se de forma exaustiva as origens de todos os constrangimentos ao tráfego automóvel e identificavam-se todos os pontos críticos onde invariavelmente aquele meio de transporte “encalhava”, até que se apontou como solução (única) para o problema a construção da Variante Sul de Fão (ou Norte da Apúlia, como queiram). No mesmo sentido e há relativamente pouco tempo, também o executivo municipal já manifestava intenção de criação de um novo traçado rodoviário entre Fão e Apúlia, propondo, em sede de Discussão Pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural, a revisão do regime de protecção da área florestal entre estas localidades, de forma a ser permitida a construção da nova via.

E foi neste contexto que, qual acto cirúrgico, não tardou a divulgação das fotografias do “caos” a ilustrar e a fazer realçar os primeiros engarrafamentos estivais para que, de forma insuspeita, se justificassem as tais vias estruturantes que, alegadamente, representariam o “antídoto” (inquestionável) para todos os males da mobilidade nesta terra.

Previamente ao desenvolvimento da minha perspectiva sobre o assunto, não posso deixar de exprimir que entendo perfeitamente a necessidade urgente de retirar do miolo urbano parte substancial do tráfego de passagem e ainda que sou, evidentemente, adepto da promoção da boa fluidez do trânsito (não necessariamente do automóvel), porém são profundas as diferenças entre a minha concepção de mobilidade eficaz e as noções apresentadas pelos autores daquelas notícias (por sinal, coincidentes com os conceitos dos nossos autarcas).

Esboçando um “desenho” daquilo que é proposto pelos adeptos das vias estruturantes, não é difícil calcular que o que resta da área florestal entre Fão e Apúlia, zona verde com valores ambientais relevantes (daí o regime de protecção com que está classificada), será atravessada (com uma cicatriz de alcatrão obviamente) por umas quantas faixas de rodagem que estabelecerão a ligação desde as nossas praias até aos canais rodoviários vocacionados para o escoamento do trânsito... e vice-versa. E é exactamente aqui (no vice-versa) que me deparo com a primeira incongruência.

Parece-me lógico que todos nós tenhamos orgulho por viver «num concelho que concilia todas as vertentes da natureza... extensos areais e dunas, pinhais e zonas florestais, montes e arribas fósseis, rios e mar, tudo enquadrado num equilíbrio dinâmico e que permitem afirmar: Esposende, um privilégio da natureza»*, mas sejamos francos, quem gosta das imagens terceiro-mundistas proporcionadas pelas largas centenas de automóveis nos seus “promenades” domingueiros a transformarem em mega parques de estacionamento todos aqueles valores naturais? Estou certo que ninguém. Mas então (questiono), não irão as tais vias estruturantes, ainda antes de permitirem o escoamento do tráfego, ESTIMULAR AINDA MAIS A INVASÃO DO AUTOMÓVEL para estas zonas vocacionadas à livre fruição pedonal (p.ex. Pinhal de Ofir e marginais do Cávado ou até os Centros Históricos) e que deveriam ser, antes de tudo, espaços acolhedores de lazer, de agradável interacção visual com a natureza envolvente, sem o chinfrim constante dos motores a queimar carburante a interromperem o desejado silêncio e sem as constantes baforadas de combustível queimado a tirar-nos o ar puro?

As ditas Vias Estruturantes ou Variantes que, antes de tudo vêm, isso sim, canalizar e distribuir trânsito para zonas onde o estacionamento não está sequer autorizado ou para parques onde um número de lugares disponíveis é manifestamente insuficiente para acolher tantas viaturas, além de pôr em causa a função principal dos locais onde “desaguam”, resultarão num incomportável aumento da PRESSÃO DO AUTOMÓVEL em detrimento de Zonas Verdes pensadas para as pessoas e da qualidade de vida dos nossos Centros Urbanos.

Estes casos levantam uma questão: - as perdas em termos de turismo graças à ditadura do automóvel nas nossas vilas e cidades. Alguém duvida que grandes centros turísticos como Copenhaga, Londres, Praga, etc... teriam muito menos receitas turísticas se fossem cidades com tanto trânsito, tanto barulho e tão desagradáveis para andar a pé como os nossos pólos turísticos litorais? Não me refiro apenas à vinda de turistas, falo nos consumos deles também, nas esplanadas que pouco existem por cá, no comércio nos centros históricos que morre para o comércio dos shoppings onde os nossos visitantes se “abastecem” antes de nos “invadirem”.

A efectiva libertação dos automóveis e consequente desobstrução destes espaços de grande relevância patrimonial e estética e com elementos que conferem forte identidade à nossa terra, poderia trazer-nos outro dinamismo e estou convencido de que não será com Novas Variantes que aquele objectivo será alcançado. É evidente que a nossa faixa costeira é um espaço que terá sempre de permitir o acesso ao automóvel, porém, uma correcta estratégia de gestão de trânsito requer SOLUÇÕES INOVADORAS E SUSTENTÁVEIS, por vezes nada fáceis de implementar porque pouco populares, como o condicionamento da circulação e do estacionamento automóvel.

E será, de alguma forma, acerca dessas soluções que vou dedicar o próximo texto que apresentarei brevemente neste espaço.








* Extraído de uma descrição do Concelho apresentada noutro Portal de Propaganda, erro, queria dizer, no Portal de Turismo de Esposende.



PS: Também passa por cada um de nós a responsabilidade de ter uma melhor terra para viver e não devemos culpabilizar sempre os políticos e outras fontes de decisão... devemos ser nós os primeiros a abdicar do uso fútil do automóvel... se não existir procura, não haverá oferta – atrás das “variantes” quantos parques de estacionamento serão precisos criar? E quantas outras vias para escoar o trânsito que as primeiras trouxeram? E quantos parques de estacionamento a seguir? E quanta vias terão de ser feitas depois?... e... por aí fora num autêntico círculo vicioso.