sábado, 29 de maio de 2010

Velelas

Velella velella (Linnaeus, 1758)

As Velelas (Velella velella) partilham alguns nomes vulgares com as Fisálias, parentes da classe dos Hidrozoários, mas os ingleses preferiram chamar-lhes de “By-the-wind sailor” (qualquer coisa como Velejador). Estas duas espécies também são muito próximas ecologicamente, ou seja, habitam a superfície da água no mal alto e, para lá de coincidirem no meio de locomoção que as coloca à mercê dos ventos, ambas são carnívoras, capturando as presas (pequenos peixes, os seus ovos e alguns crustáceos) com tentáculos equipados de veneno que as imobiliza. De igual modo, à semelhança das “primas”, cada um destes organismos é na realidade uma colónia formada por vários tipos de indivíduos, estando os pólipos responsáveis pela ingestão ligados aos restantes por canais, através dos quais compartilham o alimento. Diferem uma da outra fundamentalmente na forma e no tamanho: - enquanto a Fisália se sustenta à tona da água através de uma vesícula cheia de gás com um comprimento superior a 10 cm (podendo triplicar), a Velela flutua devido à acção de uma cadeia de “câmaras-de-ar” (ver 3ª. foto) de dimensões pouco superiores a 5 cm, a partir das quais se ergue uma pequena vela em forma de crista (ver 1ª. foto) e ainda se distinguem pela extensão dos seus tentáculos, já que enquanto os da primeira pendem na água por muitos metros, os da segunda medem apenas alguns milímetros.



















Apesar de mais pequenas, as Velelas, que se distribuem por todos os oceanos do mundo, principalmente nas águas quentes e temperadas, são bastante mais comuns e podem “naufragar” em grande massa nas nossas praias. Aí, quando o arrojamento ainda é recente, são facilmente encontradas a desenhar de azul-escuro a linha da maré, tornando-se incolores com o passar do tempo, assemelhando-se então a pequenos pedaços de plástico (1).



















Embora não haja registo de incidentes com gravidade relacionados com o manuseamento de Velelas, recomenda-se, mesmo assim, que se considere a existência de toxinas nos seus tentáculos susceptíveis de nos causarem irritabilidade ao nível cutâneo, sobretudo na pele mais sensível das crianças, bem como na face e nos olhos dos adultos.



Antes de terminar, e em forma de nota de rodapé, não queria deixar de prestar um breve esclarecimento sobre os estranhos títulos com que surgem estes dois últimos pequenos textos: - como a maioria daqueles que visitam este espaço saberão, assim que qualquer ser vivo se torna conhecido para a ciência, é-lhe atribuída uma designação exclusiva, ou Nome científico, segundo um método universalmente reconhecido a que se convencionou chamar de Nomenclatura binominal. Este modo de classificar as espécies, a que deveremos chamar Taxonomia moderna, foi aplicado pela primeira vez na 10ª. edição do Systema Naturae (em itálico, tal como devem ser escritos os nomes científicos), livro da autoria do ilustre naturalista Carolus Linnaeus, datado de 1758 e no qual foram catalogados sistematicamente inúmeros animais. Aqueles dois nomes, genérico e específico, podem ser sucedidos pelo apelido de quem descreveu o organismo pela primeira vez e o ano em que isso foi consumado. Face a isto, não será difícil de perceber que as duas espécies a que acabei de me referir, a par de tantas outras, constam na citada obra científica de referência.

(1) No caso das tartarugas-marinhas o raciocínio inverte-se: os pequenos pedaços de plástico espalhados na água do mar, surgem aos seus olhos como se fosse alimento insuspeito.


quinta-feira, 20 de maio de 2010

Fisálias

Physalia physalis (Linnaeus, 1758)

De entre a enorme quantidade e diversidade de seres marinhos, ou o que deles resta, que surgem habitualmente arrojados nas nossas praias, as Caravelas-portuguesas (Physalia physalis), também conhecidas no mundo anglo-saxónico por "Portuguese man-of- war" (qualquer coisa como Guerreiro Português), não são certamente os mais vulgares e até a peculiar biologia dos cnidários, filo a que pertencem, é algo difícil de explicar, motivo pelo qual tendemos a olhar para estas criaturas com alguma estranheza. Na realidade cada Fisália, outro nome comum pelo qual estes organismos podem ser chamados, não corresponde a apenas um indivíduo independente como se verifica, por exemplo, nos vertebrados que nos são mais familiares, mas sim a uma colónia constituída por quatro grupos distintos de indivíduos, ou pólipos, responsáveis por várias funções vitais, como os que compõem a vesícula encarregada pela flutuação e locomoção, os que formam os tentáculos dedicados à captura das presas e à própria defesa, ainda os que se especializaram na alimentação ou digestão e, por fim, aqueles que têm por exclusiva função a reprodução da espécie.



















Segundo alguns dados obtidos através de pesquisa na, sempre questionável, internet, as Caravelas-portuguesas tem distribuição global e, embora mostrem preferência pelas regiões tropicais, são comuns no Atlântico desde a latitude das ilhas britânicas até ao seu extremo sul. De qualquer modo, como são seres pelágicos (com vida quase restrita alto mar), os seus registos junto à costa continental portuguesa não são frequentes e, quando isso acontece, deve-se unicamente à acção aleatória das correntes marítimas e dos ventos que impulsionam o flutuador. E foi também por esta razão, pela vertente de fenómeno raro ou ocasional, que fiz questão de assinalar a presença de um número considerável destes animais nas praias do litoral norte no início do último mês.




















MAS CUIDADO!

Apesar de uma certa beleza e de facilmente despertarem o interesse dos mais curiosos, nomeadamente das crianças, estes seres representam algum risco para os humanos. Os seus tentáculos azuis, que podem prolongar-se na água por mais de 30 metros, estão pejados de células urticantes prontas a causarem dolorosas queimaduras de terceiro grau em quem lhes tocar ou for atingido por acidente e aquelas toxinas mantêm-se activas mesmo nos animais encontrados mortos na praia.

CONSELHOS EM CASO DE DETECÇÃO

- Assim que se avistem estes animais a flutuar, devemos manter o afastamento, sendo preferível abandonar a água e avisar prontamente o nadador salvador ou as autoridades marítimas;

- tendo sucedido o contacto, evitar que a zona atingida toque noutras partes do corpo, sobretudo as mucosas, e, mantendo este cuidado, lavar a superfície afectada com água salgada;

- se possível, envolver a ferida durante meia hora com vinagre dissolvido em água (metade de cada) para remover qualquer vestígio dos tentáculos;

- contactar o Centro de Informação Anti-Venenos – CIAV, através do telefone: 808 250 143.




É que imunes ao seu veneno, só as tartarugas-marinhas!



REFERÊNCIAS

Pode encontrar informação segura sobre o Filo Cnidária em:

Fauna Submarina Atlântica” (1995)
Edição ‘Publicações Europa América’
De Professor Luiz Saldanha

Fauna e Flora do Litoral de Portugal e Europa” (1994 e 2006)
Edição portuguesa ‘Guias Fapas’
De Andrew Campbell
Ilustrações de James Nicholls


quarta-feira, 12 de maio de 2010

OBSERVAÇÃO DE AVES (ABRIL 2010)

Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes

De certa forma o último mês caracterizou-se pela ocorrência de algumas aves menos esperadas na nossa região durante a Primavera e pela quase ausência de outras normalmente mais assíduas nesta época. De igual modo, optei por também inverter a ordem habitual de apresentação das espécies assinaladas, fazendo a introdução, desta vez, pelos passeriformes.

Embora não corresponda à primeira vez que registo por cá esta espécie em Abril, foi com surpresa que logo ao décimo dia avistei na margem direita, em duas zonas bem afastadas do estuário, dois Picanços-barreteiros (Lanius senator), um mais a nascente e o outro junto ao Forte de São João Baptista. Saliente-se ainda que decorridas mais de duas semanas, no dia 28, voltei a observar um indivíduo na restinga, mas apesar de me ter empenhado com demorada atenção em localizar o par, na esperança de, por fim, confirmar a possível (?) nidificação entre nós, acabei por não o(a) encontrar.





































Mais juntos das parceiras estiveram alguns Chascos-cinzentos (Oenanthe oenanthe) que a partir do dia 10, e pelo menos durante duas semanas, se distribuíram pelos blocos de pedra ao longo da marginal de Esposende, contudo, ainda que os machos se apresentassem vistosamente trajados para o casamento, não detectei qualquer indício de que se tenham reproduzido.





































Mas seriam necessariamente outras as espécies que viriam a fazer do Cávado a sua maternidade e não estas duas, das quais apenas se esperavam uns breves vislumbres nas suas curtas estadias ou passagens pós-nupciais de Setembro. Assim, comportamentos como o visível aumento da actividade entre os chapins, nomeadamente o agora mais conspícuo Chapim-de-poupa (Parus cristatus), e as Trepadeiras-comuns (Certhia brachydactyla), ou a constante labuta das Alvéolas-amarelas (Motacilla flava) que, acabadas de chegar com os primeiros dias quentes do início do mês, logo começaram a procurar alimento para a prole…









































































… ou a súbita dedicação das irrequietas Carriças (Troglodytes troglodytes) às artes do canto e das danças de sedução…





































… o empenhamento das discretas Ferreirinhas (Prunella modularis) em encontrarem os melhores materiais para o berço das suas crias…























































… o perfil ainda mais exibicionista e cada vez mais vigilante dos Cartaxos-comuns (Saxicola torquatus), constantemente colocados num poleiro estratégico…



















… o asseio dos Pardais-comuns (Passer domesticus), sempre disponíveis para partilharem umas poças de maré com as namoradas…























































… ou ainda a intensa saturação das plumagens coloridas dos fringilídeos como os Chamarizes (Serinus serinus), os Verdilhões (Carduelis chloris)…























































e os vaidosos Pintarroxos (Carduelis cannabina)…



















… foram sinais evidentes de uma ampla actividade reprodutora nesta zona húmida e nos meios circundantes.

Menos esperada foi a presença, no dia 26, de um par de Pintassilgos (Carduelis carduelis) pela linha de água que acompanha o Cávado junto aos campos agrícolas das Pedreiras, numa zona em que são mais facilmente avistados em Novembro.

E ainda antes de passarmos à ordem seguinte, não podia deixar de aqui realçar o registo de um pequeno fenómeno aberrante (albinismo) ocorrido numa das espécies que nos são mais familiares, o Melro-preto (Turdus merula), em que um dos seus representantes, apesar do nome, anda completamente vestido de tons claros (talvez por isso, raramente se tivesse afastado das dunas brancas onde passava bem despercebido quando imóvel).





































Entretanto e finalmente, o avançar da estação trouxe-nos um decréscimo acentuado no número de outras aves que buscam paragens mais setentrionais para criarem a próxima geração, tais como os Corvos-marinhos-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo), as Garças-reais (Ardea cinerea) e as Garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta), contudo, todas estas espécies ainda eram representadas por alguns indivíduos isolados nos últimos dias do mês.

Em sua substituição surgiram outras cuja chegada já tardava. Depois dos últimos dias de Fevereiro nos terem trazido as primeiras Andorinhas-das-chaminés (Hirundo rustica), não foi notado entre estas e nas semanas seguintes um grande aumento, mas em Abril os seus efectivos já eram definitivamente os habituais para a época. E a estas vieram juntar-se logo no início do mês, no dia 1, as primeiras Poupas (Upupa epops), depois, no dia 6, os Andorinhões-pretos (Apus apus) e as Andorinhas-dos-beirais (Delichon urbica) apenas se fizeram notar nos últimos dias, depois dos Pombos-torcazes (Columba palumbus), que já preenchiam todo o pinhal, terem começado a mostrar, orgulhosos, os seus primeiros borrachos.



















Ainda entre os columbídeos e enquanto as primas não chegavam, foi interessante testemunhar algumas Rolas-turcas (Streptopelia decaocto) a manifestarem-se de tal modo curiosas com a minha última lente que não resistiram em quase espreitar para dentro dela.





































Com o aproximar do final do mês, durante o qual não foi visto um único Guarda-rios (Alcedo atthis) a jusante da ponte velha, haveriam de chegar-nos outras interessantes revelações. Enquanto a fêmea de Tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus), agora sozinha, continuava incansável na captura das suas presas favoritas pelo juncal, na área agro-florestal entre Fão e Apúlia, confirmou-se que algumas Perdizes-comuns (Alectoris rufa) escaparam à última época de caça e agora formam pares românticos enquanto se passeiam livremente pelos campos profusamente floridos.





































Seguindo agora para o meio aquático, é de referir que este foi um mês de Abril algo atípico. Os Patos-reais (Anas platyrhynchos) ainda fizeram questão de assinalar bem cedo que já estávamos na Primavera e algumas Galinhas-d’água (Gallinula chloropus), aproveitando o facto das chuvas abundantes do último Inverno terem transformado o «Caniçal de Fão» numa lagoa, também não quiseram perder a oportunidade de ali se reproduzirem…



















... ou de darem umas escapadinhas até ao rego que se desvia do Cávado na margem esquerda, agora também transformado em caniçal…



















… contudo, das migradoras de passagem quase que nem sinal havia. No dia 9 até foram avistados três Pernas-vermelhas (Tringa totanus) no sapal junto à foz e, na semana que nos haveria de trazer muitas dezenas de fotógrafos da natureza a Fão, ainda foram observados muitos Garajaus-comuns (Sterna sandvicensis) no mar bem próximo da praia ou no estuário.





































Mas, e os outros? Corriam notícias da recente entrada em actividade de um vulcão islandês com um nome impronunciável que estava a causar alterações no tráfego aéreo. Estariam também as aves a serem afectadas pelas cinzas vulcânicas? Ou eram as temperaturas anormalmente baixas e a chuva ou as alterações climáticas as responsáveis pela demora? Seja qual for a resposta, o facto é que os primeiros bandos de Pilritos-comuns (Calidris alpina) …





































… de Rolas-do-mar (Arenaria interpres) …





































… e de Borrelhos-grandes-de-coleira (Charadrius hiaticula) …























































… só chegaram na última semana, durante a qual, já dia 27, acabou por ser avistado, lá bem alto, a passagem de um mísero grupo com três Maçaricos-galegos (Numenius phaeopus) … só!

Mas aí, já esta briosa mãe justificava a opção do nosso Parque Natural ter adoptado como símbolo o Borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus).