segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

TERÁ SIDO O PAI NATAL ?

Naquele tempo ainda não tínhamos esta poderosa ferramenta de pesquisa a que chamamos internet. Estudar com alguma profundidade qualquer tema do nosso interesse ou satisfazer uma simples curiosidade poderia, muito facilmente, tornar-se numa verdadeira odisseia.

Conforme disse no texto com que me introduzi neste blogue, o fascínio pelas aventuras dos exploradores da História Natural do século XIX levava-me, ainda no tempo do liceu, a coleccionar recortes de artigos sobre as suas expedições em regiões remotas e, mais tarde, perdi a conta ao número de escapadinhas à Latina e à Lello na “distante” cidade do Porto, onde gostava de, secretamente, espiar a literatura da secção de ciências em autênticas viagens ao passado. Apesar de maioritariamente escritos na língua de Shakespeare, era sempre fortemente tentado a comprar aqueles livros, todos, mas como os preços os transformava em artigos de luxo, lá me contentava em alimentar a minha fértil imaginação no interior daquelas livrarias, onde me transformava num naturalista Vitoriano enquanto folheava com demora aquelas páginas fartamente ilustradas. E lá ia, assim, satisfazendo aquele meu vício tão íntimo, apenas tenuemente desvendado na reserva do meu quarto onde os posters da Bravo não faziam parte da decoração.

Até que num dia frio de Dezembro chegou um catálogo à caixa postal da casa dos meus pais, intrigantemente remetido para o meu próprio nome, a anunciar a edição de um vasto conjunto de produtos literários dedicados à figura da minha predilecção: Charles Darwin. Não resisti e solicitei mais informação que não tardou em chegar-me, acompanhada de algumas cópias de litografias da autoria de Elizabeth Gould, hábil ilustradora de aves, cujo trabalho quis logo conhecer em pormenor. E, curiosamente, foi num artigo sobre criação de aves exóticas em cativeiro que acabei por descobrir o contributo que o seu marido, John Gould, deu à ornitologia. Este eminente naturalista, contemporâneo de Hooker, Wallace e Lyell, entre outros nomes ilustres das sociedades científicas, dedicou a vida ao estudo e à descrição das aves pelos quatro cantos do mundo, sempre acompanhado pela esposa que elaborava as respectivas ilustrações. Sem qualquer formação académica, Gould desenvolveu conhecimento ornitológico pela observação da natureza, alcançando tal notoriedade nesta área que foi a si que Darwin, ainda antes de formular a Teoria da Selecção Natural, confiou os seus famosos tentilhões das Galápagos para serem identificados.

Quem me acompanhou durante o último ano neste espaço, terá certamente ficado a perceber a paixão que nutro pela ornitologia. Mas por que vias me terá chegado aquele catálogo às mãos, se até então mantinha religiosamente irrevelável o meu secreto “pecado”?

E quem provocou o feliz acaso de fazer a minha "Elizabeth" cruzar-se no meu caminho?


sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

OBSERVAÇÃO DE AVES (NOVEMBRO 2009)

Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes



Como todos percebemos no húmido litoral norte peninsular, o mês de Novembro foi pouco favorável para estas coisas da “observação de aves” e muito menos para a “fotografia da natureza”. Além disso, costumo reservar estes dias para me dedicar ao estudo (e não só) de uns seres mais rasteiros a que se dão os nomes vernáculos de tortulhos, míscaros e afins, pelo que, desta vez, o título do texto quase que surge aqui desajustado.

Apesar disso, durante os poucos momentos passados nas margens do estuário ainda foi possível registar a ocorrência de algumas espécies interessantes, em particular as invernantes que, já a bom ritmo, umas após outras, chegam às fecundas águas do Cávado compondo um quadro já habitual.

Assim, foi com enorme satisfação que testemunhei a permanência entre nós da Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) com os seus espectaculares mergulhos, sob os olhares atentos das Garças-reais (Ardea cinerea) que já montam sentinela ao longo de todo o juncal. As primas Garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta), que passam o dia em elegantes bailados nas águas rasas do sapal, e as Garças-boieiras (Bubulcus ibis), que, cada vez em maior número, calcorreiam o dia todo os campos da agra entre Fão e Apúlia, voltaram a escolher o velho Freixo na margem direita para pernoitarem, pintando-o de branco à medida que a luz do dia nos vai abandonando.

Já os batalhões de Corvos-marinhos-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo), quais esquadras de aviões em formação, preferem riscar o céu com extensos Vês e continuaram a rumar a montante para o recolhimento nocturno, transformando o plano de água do estuário numa autêntica rampa de lançamento, enquanto os Mergulhões-de-pescoço-preto (Podiceps nigricolis) ficaram-se pela partilha do espaço aquático com as várias espécies nativas de patos lá para os lados da foz. Por sua vez, contrariando os últimos anos, além do referido Cisne-mudo (Cygnus olor), que aqui encontrou acolhimento desde Outubro, não se vislumbraram no último mês outros anatídeos ferais (fugidos ao cativeiro) ou exóticos assilvestrados a procurarem refúgio na serena zona ribeirinha de Fão.

Entretanto, o reboliço provocado pela migração dos pilritos, borrelhos e maçaricos foi substituído pela chegada discreta de outras limícolas, como as tímidas Narcejas (Gallinago gallinago) e os Abibes (Vanellus vanellus), autênticos símbolos do frio mas ainda escassos.

Quanto aos passeriformes, é de realçar que, apesar das adversidades, ainda fomos tendo as breves mas coloridas visitas de passagem dos Pintassilgos (Carduelis carduelis) e, mais uma vez, reforcei a convicção de que, à semelhança das minúsculas Estrelinhas-reais (Regulus ignicapillus), as Felosas-do-mato (Sylvia undata) aqui ocorrem principalmente como invernantes. Mas, como sempre, foram as Petinhas-dos-prados (Anthus pratensis) que definitivamente nos anunciaram a aproximação do Inverno.



NOTA: Conforme referi na introdução, em Novembro a máquina fotográfica ficou-se pelo armário pelo que, mais uma vez e com muito agrado, recorri à inestimável colaboração da Sofia para ilustrar o texto. Estas duas gravuras do seu arquivo não foram elaboradas a partir de uma única foto em concreto, são antes o resultado do estudo de várias imagens.