sábado, 28 de junho de 2008

NIDIFICAÇÃO (parte I)

Agora que formalmente terminou a Primavera e as aves começam a dar por concluídos todos os seus esforços reprodutivos, parece-me a altura indicada para apresentar algumas ideias sobre nidificação (talvez na época seguinte, que só ocorrerá para o próximo ano, aquilo que vou aqui dizer caia no esquecimento e não se faça uso indevido destes dados que despretensiosamente vou apresentar). Estou plenamente consciente de que qualquer tipo de abordagem a este tema encerra sempre alguns riscos mas, perante os “actos predatórios” que ultimamente fui assistindo um pouco por toda a web, principalmente em sites dedicados (?) a «Fotografia da Natureza», sinto-me impelido a expor neste modesto espaço de opinião alguns conceitos sobre o assunto.

Como a matéria que pretendo apresentar ainda é relativamente extensa para o meio em que o faço, decidi dividir a exposição por alguns capítulos. Talvez, desta forma, tenham vagar para me acompanharem.

Depois de me ter empenhado durante alguns anos no simples registo da ocorrência de aves nos diversos habitats naturais do concelho de Esposende, nomeadamente no Estuário do Rio Cávado, Sistemas Dunares e Áreas Florestais, fui facultando a informação recolhida aos amigos do então Instituto de Conservação da Natureza (ICN). Entretanto, um dos biólogos daquela instituição desafiou-me a complementar aqueles registos com um trabalho dedicado à Nidificação na Área de Paisagem Protegida do Litoral de Esposende e algumas zonas adjacentes (no âmbito de um projecto com abrangência nacional) que, de imediato aceitei, ainda que as minhas “pesquisas” nesta matéria em particular não fossem muito metódicas.

Então, com base em determinados critérios (comuns para todos os colaboradores do estudo e que apresentarei no “post” sequente a este) e munido de carta topográfica do nosso litoral desde a Foz do Rio Neiva até à Praia da Ramalha na Apúlia, dividida em quadrículas numeradas, iniciei o “trabalho de campo”. Numa primeira fase, a pesquisa consistiu na identificação/inventariação dos múltiplos tipos de refúgios ou nichos ecológicos que as aves elegem para nidificarem.

Seguem-se alguns exemplos:


Sob protecção de vegetação espessa com plantas aquáticas sobre lama em linhas de água ou próximo delas.






































Plataformas bem visíveis com ramas grandes, paus e gravetos em árvores ou postes altos ou em qualquer construção feita pelo homem.





































































Pequenas estruturas de galhos em árvores com folhagem densa que proporcione um bom esconderijo.



























































Pilhas de vegetação em zona arbustiva ripícola, abrigadas por caniçais ou zonas húmidas.









































Buracos em construções velhas, igrejas, muros, edificações arruinadas e abandonadas, infra-estruturas agrícolas, sem material de construção.













































Cavidades naturais ou fendas, por vezes feitas por pica-paus, em árvores mortas ou apodrecidas.

















































Sebes ou vegetação ruderal de campos ou caminhos agrícolas e florestais.




















Depressões escavadas nos solos arenosos das dunas marítimas, resguardados pela sombra de uma planta.













































Túneis em lama nos taludes das margens de rios e ribeiros.























Pousados ou pendurados nas traves em alpendres ou sob tabuleiros de pontes e viadutos.




















Debaixo de telhas ou beirais de casas habitadas.













































Embrenhados em arbustos, moitas e silvados “impenetráveis”.

























































Troncos de árvores altas cobertos de trepadeiras.











































Concavidades em cobertos herbáceos rasteiros sob protecção de juncos.





































Entre raízes e terra de árvores caídas.




















Forquilha de árvore ou arbusto.



















Então, de forma sistemática, fui associando cada uma das espécies de aves com estatuto de ocorrência regular durante a época de reprodução, a cada um daqueles habitats, cruzando esta informação com dados da vasta literatura disponível aqui em casa sobre esta questão. De entre vários, destaco o livro «À Descoberta das Aves de Portugal» de Kevin e Christine Carlson*, Lello Editores (2ª. Edição) 1997 Porto, através do qual fui introduzido no tema da ética em observação da natureza enquanto aprendia técnicas de aproximação a espécies da avifauna.


*
Mr. e Mrs. Carlson são dois cidadãos ingleses, médicos de profissão entretanto aposentados que correram mundo a fotografar e estudar a vida silvestre. Ambos efectuaram inúmeras visitas a Portugal (praticamente todos os anos) para fotografar a nossa fauna, especialmente as aves, o que por si só demonstra o grande interesse que constitui a riquíssima biodiversidade presente no nosso País.


(Continua)

sábado, 14 de junho de 2008

Observadores da Natureza

Quando nos iniciamos neste “mundo” da observação atenta e sistemática da Natureza, mesmo numa abordagem meramente amadora, é difícil perceber naquele momento que isto é como um vírus que progressivamente se vai instalando e nos leva a fazer coisas que julgávamos nunca ser capazes. Desde o despertar a horas bem precoces da madrugada, até conseguir ficar imóvel escondido sob uma tela camuflada ou num qualquer buraco durante longos períodos de tempo, passando por investimentos mais ou menos avultados em material e literatura diversa e acabando numa vontade incessante de estudar cada vez mais, tudo justifica(*) o vislumbrar de mais uma espécie ou a obtenção de uma determinada imagem que poderá documentar as nossas “pesquisas”.

Depois do deslumbramento das primeiras “descobertas” e com o avolumar dos nossos registos, é natural que nos surja o desejo de partilharmos os conhecimentos entretanto alcançados e, se possível, com método e num meio coordenado. Muitas vezes, a ausência de formação académica na área das ciências naturais impede a concretização daquela vontade, ainda assim, neste âmbito não faltam projectos que, para se desenvolverem, necessitam “como do pão para a boca” da participação de muitos Observadores da Natureza em regime de voluntariado. Torna-se extremamente compensador poder ver o resultado do nosso trabalho/estudo associado a iniciativas com maior dimensão e é sempre com grande alegria que constatamos que, muitas vezes, isso contribui para o fomento da sensibilização ambiental junto da população.

Neste sentido, é com profunda satisfação e muito interesse que tenho aceitado alguns desafios para colaborar em trabalhos de campo, como é o caso da RAM – Rede de Observação de Aves e Mamíferos Marinhos, que funciona ao largo das costas espanhola e portuguesa. Este projecto é uma ideia de um grupo de “seawatchers” do sul de Europa que tem a intenção de coordenar os esforços de estudo para o conhecimento e conservação das espécies de aves e mamíferos marinhos que se podem observar nesta região do Oceano Atlântico. Para obter informação mais detalhada acerca da RAM visite a página http://www.telefonica.net/web2/redavesmarinas mas, abreviadamente, as actividades consistem em situar paralelamente (durante as mesmas três horas num mesmo Sábado) um mínimo de dois ou três observadores em vários locais ao longo da costa ibérica, equipados com telescópios e binóculos apontados para o mar desde a praia até à linha do horizonte, a identificar/contar espécies de aves e cetáceos (registando, entre outros dados, as condições ambientais, a idade e a direcção dos indivíduos avistados) utilizando uma metodologia estandardizada e de forma simultânea, enviando depois a ficha com os dados registados (em formato digital via correio electrónico) para uma Base de Dados onde a informação será convenientemente tratada.

Este projecto que começou em 2005 já conseguiu atrair inúmeros colaboradores (desde técnicos qualificados até pessoas que simplesmente desenvolvem algum interesse em aves ou cetáceos) que, a partir de dezenas de pontos por quase toda a Península Ibérica, têm contribuído para os objectivos da rede. Contudo, pelos registos obtidos até o ano passado, não havia qualquer grupo responsável pela parte da costa compreendida entre o Cabo Carvoeiro e a Galiza. Assim, constituímos uma pequena equipa e, logo no primeiro Sábado do calendário da RAM de 2008 (12 de Janeiro), deslocamo-nos até junto do Farol de Montedor – Viana do Castelo onde registamos as nossas primeiras (mas modestas) contagens. Na data seguinte (2 de Fevereiro), com uma equipa mais vasta e melhor preparada, “instalamo-nos” nas Pedrinhas (entre Fão e Apúlia) onde assinalamos as seguintes passagens (nomes vernáculos, número de indivíduos e direcção):

8h - 8:30h

Cagarra 1-n
Guincho 4-n
Garajau 1-s
Arau 1-s
Torda 1-n
Alcideos 3-s 2-n

8:30h - 9h

Ganso-patola (adulto) 14-n
Corvo Marinho faces brancas 2-n
Cagarra 1-n
Garajau 1-n
Guincho 2-n 1-s
Gaivotão-real 1-n
Alcideos 2-s
Torda 5-s (em grupo)
Arau 8-s (5 em grupo) 1-n

9h - 9:30h

Ganso-patola (adulto) 22-n (11 em grupo) 1-s
Ganso-patola (sub ad) 1-indet
Cagarra 2-n
Gaivotão-real 1-n
Corvo Marinho faces brancas 1-n
Alcideos 6-n 4-s
Torda 6-s
Arau 10-s 2-n

9:30h - 10h

Ganso-patola (adulto) 4-n
Corvo Marinho faces brancas 5-s (3 em grupo) 1-n
Cagarra 1-s
Gaivotão-real 1-n
Guincho 3-n 1-s
Alcideos 3+4+5+6 (em grupo) total:18-s
Torda 2-s
Arau 8-s

(Não é pedido que se registem/contabilizem todas as espécies de aves, por exemplo, as gaivotas das espécies Larus michahellis e Larus Fuscus, pela abundância, não são consideradas neste estudo.)

Pelos resultados obtidos e pela proximidade, ficou então decidido que este seria o nosso ponto fixo de observação.

Devo confessar que esta actividade não nos proporciona o mesmo gozo ou conforto de uma jornada de observação de aves no Estuário do Rio Cávado, mas saliento que ver surgir no nosso campo óptico uma ave “longínqua” como um Ganso-patola (Morus bassanus), com os seus mergulhos a pique na direcção das suas presas (peixe), é deveras um “espectáculo” imperdível. Se estiver interessado em começar a participar connosco neste estudo, será muito bem-vindo e, asseguro-lhe, o seu contributo será importantíssimo. Contacte-me.

Calendário dos próximos dias RAM em 2008

5 de Julho
2 de Agosto
6 de Setembro
4 de Outubro
1 de Novembro
6 de Dezembro



(*) É óbvio que de um observador da natureza é sempre esperada a obediência a algumas normas de conduta de forma a não perturbar as espécies ou a integridade dos habitats naturais que visita.



NOTA: Tento ilustrar sempre estes meus textos com imagens (modestas fotos) da minha autoria relacionadas com as espécies ou habitats a que me vou referindo. Neste caso, afigurava-se-me quase impossível cumprir aquela finalidade em virtude destas aves passarem ao largo da nossa costa, a distâncias que nem as mais “poderosas” teleobjectivas alcançam. Como me estava a preparar já há algum tempo para vos dirigir o apelo que aqui fiz, já tinha pedido à minha esposa (Sofia) para esboçar um desenho ilustrativo, contudo, no dia 1 deste mês, carregado de binóculos mais telescópio mais tripés mais guias de aves, dispensei o peso da máquina fotográfica, sob pena de nem me conseguir mexer, e pus-me a observar uns Gansos-patola a “pescar” em torno do recife (na Pena) e que estranhamente se aproximavam da praia. Logo me arrependi, talvez tivesse conseguido uma foto daquelas aves em voo. Entretanto, num mergulho menos feliz, uma daquelas aves ficou combalida e veio enrolada nas ondas até ao areal e, como “quem não tem cão caça com gato”, registei aquele momento com a “poderosa” lente do meu telemóvel.


sábado, 7 de junho de 2008

Os Lepidópteros

Em Abril último foi publicado na revista "Atmospheric Environment" um estudo realizado por cientistas da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, onde se afirma que a poluição proveniente de centrais de energia e dos automóveis destrói a fragrância das flores e impede a polinização. No mesmo trabalho também se conclui que os efeitos dos poluentes podem ser a explicação para a redução sentida nas populações de insectos polinizadores que se alimentam das flores, como as abelhas, os besouros e as borboletas.

Segundo um dos responsáveis pela investigação «as moléculas aromáticas que produziam as flores num ambiente menos poluído, como há um século, podiam-se estender-se por cerca de mil metros e agora não conseguem ultrapassar os 200 ou 300, a par disto, essas moléculas, que são muito voláteis, fundem-se muito depressa com os poluentes, o que faz com que não se desloquem intactas pois o seu aroma altera-se».

O resultado é um círculo vicioso no qual os insectos polinizadores se deparam com dificuldades para encontrar o seu alimento (néctar) para manter as suas populações e, ao mesmo tempo, as plantas com flor não conseguem a polinização que precisam para se reproduzirem e diversificar.

A partir daqui... não são precisos grandes conhecimentos académicos para perceber as consequências...

Outra vez a costumeira história da nossa acção a contribuir para a redução dos índices de sustentabilidade da vida no planeta. E sempre com uma origem que, à partida (!), parecia tão inofensiva. Mais uma vez...

Para os menos atentos, lembro que os insectos polinizadores têm uma importância ecológica enorme. Está estimado que mais de 2/3 das plantas com flor necessitam desta classe de animais para se reproduzirem. A sua contribuição para a manutenção da biodiversidade e da produção agrícola tem-se manifestado absolutamente crucial (3/4 dos cultivos agrícolas dependem totalmente dos insectos polinizadores, entre os quais estão a maior parte das frutas e hortícolas, oleaginosas e proteaginosas, frutos secos e até o café e o cacau).

Os insectos constituem uma das mais numerosas classes de animais e podemos mesmo dizer que a vida na Terra, tal como a conhecemos, seria forçosamente diferente se não pudéssemos contar com a sua prestação. Entre estes encontram-se as borboletas, polinizadoras por excelência, essenciais para a reprodução e proliferação de muitas plantas com flor. Mas não só, fazem também parte da cadeia alimentar em diversos habitats, servindo de alimento a muitos animais, particularmente aves e mamíferos. São igualmente boas indicadoras da qualidade ambiental, o que significa que um local onde se encontram borboletas em abundância não estará muito afectado por agentes poluentes.

Os nossos sistemas dunares, estuarinos e ribeirinhos, habitats que, pelas condições naturais que ali se desenvolvem, estão protegidos daquele tipo de agressões ambientais (poluição atmosférica), apresentam-se assim como uma importante reserva para a manutenção das populações de insectos, particularmente os lepidópteros (borboletas).

Para testemunhar esse facto, nada melhor que a exposição de uma pequeníssima amostra das espécies de borboletas que (com uma simples máquina fotográfica sem lentes dedicadas – macro) consegui registar nos últimos tempos naquele tipo de ecossistemas, apenas no Litoral Norte:

Borboletas

Família HESPERIIDAE

Carcharodus alceae















Thymelicus sylvestris














Hesperia comma














Ochlodes sylvanus
















Família PAPILIONIDAE

Iphiclides feisthamelii




















































Papilio machaon











































































Família PIERIDAE

Pieris rapae











































Pieris napi






























Pontia daplidice

















































Colias croceus














































Gonepteryx rhamni















Família Lycaenidae

Lycaena phlaeas



























































Callophrys rubi






























Lampides boeticus































































Leptotes pirithous





























Celastrina argiolus





























Aricia cramera



































Polyommatus icarus















Família NYMPHALIDAE

Issoria lathonia

















Boloria selene































Vanessa atalanta

















Vanessa cardui



























































Inachis io



















Euphydryas aurinia
















































Família NYMPHALIDAE Subfamília SATYRINAE

Pararge aegeria

















Lasiommata megera















Coenonympha pamphilus















Pyronia tithonus





























































Pyronia cecilia
















Maniola jurtina














































Hipparchia fidia


















Família SPHINGIDAE

Macroglossum stellatarum
















Disse, acima, que no nosso litoral a poluição atmosférica não constitui um factor de ameaça ambiental especialmente preocupante, contudo, a faixa costeira do nosso País (e em Esposende é sintomático) tem sido a parte do território mais “consumida” para fins imobiliários (mesmo com os graves riscos de erosão que aqui se verificam). A par disto, as cada vez mais raras “pérolas ecológicas” que sobraram, não se encontram livres de outras agressões igualmente consideráveis.

Designadamente, durante o período estival, a falta de educação, civismo e cidadania, a inexistência de sensibilização para os valores ecológicos em presença, o egoísmo e uma panóplia infindável de comportamentos indesejáveis, têm-se traduzido em resultados muitos prejudiciais para o meio ambiente, desde a própria destruição das dunas pelo pisoteio intensivo até à transformação de toda a área numa imensa lixeira com sacos plásticos pendurados e espalhados por todo o lado, passando pelos vestígios de arriscadíssimas fogueiras “piqueniqueiras” que fugiram ao controlo dos criminosos que as atearam, ou pela perturbação ou abate de animais selvagens ou a destruição de ninhos de espécies protegidas…

CUIDADO

As diversas comunidades de seres vivos estabelecem entre si relações de tal forma intrincadas que a própria ciência nunca conseguirá compreender toda a sua complexidade. A experiência vai-nos dizendo que a ausência de um mero «elo nessa cadeia de relações» põe em causa o equilíbrio de todo o ecossistema que o envolve.

É seguro que se continuarmos neste caminho a nossa própria sobrevivência estará colocada em causa.




BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
As borboletas de Portugal, ed. Ernestino Maravalhas; fot. Fernando Romão... [et al.]
PUBLICAÇÃO: [S.l.] : Vento Norte 2003 ( Porto : Multiponto)