sábado, 14 de junho de 2008

Observadores da Natureza

Quando nos iniciamos neste “mundo” da observação atenta e sistemática da Natureza, mesmo numa abordagem meramente amadora, é difícil perceber naquele momento que isto é como um vírus que progressivamente se vai instalando e nos leva a fazer coisas que julgávamos nunca ser capazes. Desde o despertar a horas bem precoces da madrugada, até conseguir ficar imóvel escondido sob uma tela camuflada ou num qualquer buraco durante longos períodos de tempo, passando por investimentos mais ou menos avultados em material e literatura diversa e acabando numa vontade incessante de estudar cada vez mais, tudo justifica(*) o vislumbrar de mais uma espécie ou a obtenção de uma determinada imagem que poderá documentar as nossas “pesquisas”.

Depois do deslumbramento das primeiras “descobertas” e com o avolumar dos nossos registos, é natural que nos surja o desejo de partilharmos os conhecimentos entretanto alcançados e, se possível, com método e num meio coordenado. Muitas vezes, a ausência de formação académica na área das ciências naturais impede a concretização daquela vontade, ainda assim, neste âmbito não faltam projectos que, para se desenvolverem, necessitam “como do pão para a boca” da participação de muitos Observadores da Natureza em regime de voluntariado. Torna-se extremamente compensador poder ver o resultado do nosso trabalho/estudo associado a iniciativas com maior dimensão e é sempre com grande alegria que constatamos que, muitas vezes, isso contribui para o fomento da sensibilização ambiental junto da população.

Neste sentido, é com profunda satisfação e muito interesse que tenho aceitado alguns desafios para colaborar em trabalhos de campo, como é o caso da RAM – Rede de Observação de Aves e Mamíferos Marinhos, que funciona ao largo das costas espanhola e portuguesa. Este projecto é uma ideia de um grupo de “seawatchers” do sul de Europa que tem a intenção de coordenar os esforços de estudo para o conhecimento e conservação das espécies de aves e mamíferos marinhos que se podem observar nesta região do Oceano Atlântico. Para obter informação mais detalhada acerca da RAM visite a página http://www.telefonica.net/web2/redavesmarinas mas, abreviadamente, as actividades consistem em situar paralelamente (durante as mesmas três horas num mesmo Sábado) um mínimo de dois ou três observadores em vários locais ao longo da costa ibérica, equipados com telescópios e binóculos apontados para o mar desde a praia até à linha do horizonte, a identificar/contar espécies de aves e cetáceos (registando, entre outros dados, as condições ambientais, a idade e a direcção dos indivíduos avistados) utilizando uma metodologia estandardizada e de forma simultânea, enviando depois a ficha com os dados registados (em formato digital via correio electrónico) para uma Base de Dados onde a informação será convenientemente tratada.

Este projecto que começou em 2005 já conseguiu atrair inúmeros colaboradores (desde técnicos qualificados até pessoas que simplesmente desenvolvem algum interesse em aves ou cetáceos) que, a partir de dezenas de pontos por quase toda a Península Ibérica, têm contribuído para os objectivos da rede. Contudo, pelos registos obtidos até o ano passado, não havia qualquer grupo responsável pela parte da costa compreendida entre o Cabo Carvoeiro e a Galiza. Assim, constituímos uma pequena equipa e, logo no primeiro Sábado do calendário da RAM de 2008 (12 de Janeiro), deslocamo-nos até junto do Farol de Montedor – Viana do Castelo onde registamos as nossas primeiras (mas modestas) contagens. Na data seguinte (2 de Fevereiro), com uma equipa mais vasta e melhor preparada, “instalamo-nos” nas Pedrinhas (entre Fão e Apúlia) onde assinalamos as seguintes passagens (nomes vernáculos, número de indivíduos e direcção):

8h - 8:30h

Cagarra 1-n
Guincho 4-n
Garajau 1-s
Arau 1-s
Torda 1-n
Alcideos 3-s 2-n

8:30h - 9h

Ganso-patola (adulto) 14-n
Corvo Marinho faces brancas 2-n
Cagarra 1-n
Garajau 1-n
Guincho 2-n 1-s
Gaivotão-real 1-n
Alcideos 2-s
Torda 5-s (em grupo)
Arau 8-s (5 em grupo) 1-n

9h - 9:30h

Ganso-patola (adulto) 22-n (11 em grupo) 1-s
Ganso-patola (sub ad) 1-indet
Cagarra 2-n
Gaivotão-real 1-n
Corvo Marinho faces brancas 1-n
Alcideos 6-n 4-s
Torda 6-s
Arau 10-s 2-n

9:30h - 10h

Ganso-patola (adulto) 4-n
Corvo Marinho faces brancas 5-s (3 em grupo) 1-n
Cagarra 1-s
Gaivotão-real 1-n
Guincho 3-n 1-s
Alcideos 3+4+5+6 (em grupo) total:18-s
Torda 2-s
Arau 8-s

(Não é pedido que se registem/contabilizem todas as espécies de aves, por exemplo, as gaivotas das espécies Larus michahellis e Larus Fuscus, pela abundância, não são consideradas neste estudo.)

Pelos resultados obtidos e pela proximidade, ficou então decidido que este seria o nosso ponto fixo de observação.

Devo confessar que esta actividade não nos proporciona o mesmo gozo ou conforto de uma jornada de observação de aves no Estuário do Rio Cávado, mas saliento que ver surgir no nosso campo óptico uma ave “longínqua” como um Ganso-patola (Morus bassanus), com os seus mergulhos a pique na direcção das suas presas (peixe), é deveras um “espectáculo” imperdível. Se estiver interessado em começar a participar connosco neste estudo, será muito bem-vindo e, asseguro-lhe, o seu contributo será importantíssimo. Contacte-me.

Calendário dos próximos dias RAM em 2008

5 de Julho
2 de Agosto
6 de Setembro
4 de Outubro
1 de Novembro
6 de Dezembro



(*) É óbvio que de um observador da natureza é sempre esperada a obediência a algumas normas de conduta de forma a não perturbar as espécies ou a integridade dos habitats naturais que visita.



NOTA: Tento ilustrar sempre estes meus textos com imagens (modestas fotos) da minha autoria relacionadas com as espécies ou habitats a que me vou referindo. Neste caso, afigurava-se-me quase impossível cumprir aquela finalidade em virtude destas aves passarem ao largo da nossa costa, a distâncias que nem as mais “poderosas” teleobjectivas alcançam. Como me estava a preparar já há algum tempo para vos dirigir o apelo que aqui fiz, já tinha pedido à minha esposa (Sofia) para esboçar um desenho ilustrativo, contudo, no dia 1 deste mês, carregado de binóculos mais telescópio mais tripés mais guias de aves, dispensei o peso da máquina fotográfica, sob pena de nem me conseguir mexer, e pus-me a observar uns Gansos-patola a “pescar” em torno do recife (na Pena) e que estranhamente se aproximavam da praia. Logo me arrependi, talvez tivesse conseguido uma foto daquelas aves em voo. Entretanto, num mergulho menos feliz, uma daquelas aves ficou combalida e veio enrolada nas ondas até ao areal e, como “quem não tem cão caça com gato”, registei aquele momento com a “poderosa” lente do meu telemóvel.