terça-feira, 16 de setembro de 2008

NÓS CEGOS ?

São múltiplos os estudos a demonstrarem que com o uso generalizado do automóvel surgem no nosso modelo civilizacional inúmeros problemas que vão desde a segurança às questões ambientais, passando pela saúde pública e pela qualidade de vida das populações. Conforme as frequentes notícias que nos são debitadas por todos os meios de informação, o da segurança, especialmente em Portugal, constitui um verdadeiro drama devido aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária. Quanto às questões relacionadas com qualidade de vida, saúde pública e ambiente, não estarei a dar qualquer novidade se disser que o uso excessivo do automóvel causa vários efeitos secundários nefastos sobre os indivíduos que vão desde a poluição sonora (ruído) e mesmo visual (imagens de desordem), até à poluição atmosférica (gases de escape e os seus efeitos de estufa). Esta última, que se manifesta em cada um de nós através de problemas de índole diversa (doenças respiratórias, stress, sedentariedade, prejuízos económicos, etc), levanta ainda outras questões de incidência global e que têm estado muito presentes nos discursos dos nossos preocupados autarcas: - as alterações climáticas.

Peço-vos entretanto para que, à medida que me forem acompanhando, estabeleçam a devida comparação entre aquilo que alguns dos defensores das ditas vias estruturantes ou novas variantes apregoam com palavrinhas amigas do ambiente e o previsível resultado das suas propostas concretas, ou seja, o claro incentivo ao uso do automóvel em detrimento de medidas favoráveis ao cumprimento das metas estipuladas pelo Protocolo de Quioto.

Como referi no texto que publiquei sob o título «Propaganda Verde», ninguém repete tantas vezes a expressão “combate às alterações climáticas” como os responsáveis políticos pelo nosso concelho. Mas, afinal:

- não estarão na origem dos fenómenos relacionados com o aquecimento global as emissões de dióxido de carbono (CO2)?

- não será o sector dos transportes, essencialmente o automóvel, gerador de quantidades significativas de CO2?

- não virão as novas variantes promover ainda mais a disseminação do uso do automóvel e contribuir para a multiplicação daqueles problemas?

- não irá esse acréscimo de vias rodoviárias e os consequentes parques de estacionamento ocupar ainda mais os nossos depauperados espaços verdes vitais para o sector do turismo, fundamentais para a manutenção da nossa qualidade de vida e que tão bem desempenham o papel indispensável de sequestradores de CO2?

É óbvio, mesmo para os nossos doutos autarcas, que a resposta a todas estas questões é o SIM, só não se percebe é a incoerência das suas palavras quando se põem a apregoar providências esdrúxulas e soluções fáceis como os novos traçados rodoviários e quando entopem a nossa consciência cívica com as suas oratórias desconexas alegadamente em prol da pedagogia, da ecologia e do desenvolvimento social do nosso concelho. Sinto que nos tomam a todos por cegos.



O problema do congestionamento do trânsito na nossa terra não ocorre propriamente durante todos os meses do ano, quase que nem é um fenómeno flutuante ou sazonal, verifica-se em menos de meia dúzia de fins-de-semana no período do estival. Soluções tão definitivas, tão pesadas, tão volumosas e tão danosas para os nossos recursos e valores naturais, como as que se perspectivam, não se afiguram como as mais lógicas. Se não alterarmos profundamente o nosso sistema de transportes, correremos o sério risco de continuarmos a emendar com simples paliativos erros já antigos, ou seja, de não sair nunca do ciclo do erro. Urge uma mudança de paradigma, exigem-se políticas claras, orientadas para uma rede de transportes sustentável para que efectivamente se comece a encarar o automóvel como uma fonte inevitável de problemas e factor fundamental de degradação das condições ambientais.








É muito fácil resumir a história calamitosa da tentativa de resolução dos problemas de circulação automóvel no nosso País. Por todo o território, perante o sinal de alerta das primeiras filas, conjecturam-se umas novas variantes, mais umas quantas IP’s e IC’s e AE’s vocacionadas para grandes velocidades e poupança de tempo e, não muito tempo depois das suas aberturas, principalmente nas entradas e saídas das povoações, confirmamos que a duração das nossas viagens pouco se alterou. Depois vêm as novas pontes, mais os túneis e os viadutos e a história repete-se. E a mera repetição é apenas um mal menor pois não é raro aquele tipo de “soluções” entusiasmar os automobilistas que se multiplicam aos primeiros indícios de boa fluidez do tráfego que muito cedo volta a encalhar nos locais do costume mas, desta vez, de modo ainda mais ampliado. E é bem dispendioso para a sociedade comportar os custos destas empreitadas!







As soluções, evidentemente ousadas, terão de passar pelo progressivo condicionamento da circulação e do estacionamento inadequado do transporte individual (automóvel) em zonas estratégicas durante os períodos críticos (Verão) e, numa lógica de planeamento para a sustentabilidade, apostar claramente no desenvolvimento de uma rede de transportes colectivos digna, eficiente, com elevados padrões de qualidade, bem articulados entre si, capazes de assegurarem deslocações origem-destino com altos padrões de conforto, pontualidade e regularidade. Será assim tão difícil colocar mais autocarros de pequenas dimensões a circular e ao mesmo tempo estipular altos preços de estacionamento junto às praias e áreas de lazer ou portagens à entrada, como se faz em tantas áreas naturais protegidas, grandes metrópoles ou pólos turísticos por essa Europa fora? Medidas desta natureza poderiam implicar um trabalho aturado que passaria pela elaboração de planos directores intermunicipais ou até regionais com o intuito de mitigar fenómenos de concorrência económica desleal entre municípios ou regiões mas, pelos resultados que se auguram, vale a pena tentar. Além disto, para cumprir com aqueles objectivos, ainda poderíamos eleger outros instrumentos como a criação de parques de estacionamento periféricos a preços mais acessíveis ou nulos devidamente servidos de ligações ao sistema de transportes colectivos e, sob pena de tudo falhar, uma (impopular eu sei) fiscalização dissuasora e eficaz.

Estou plenamente convencido que desta forma, embora reservando o acesso das áreas em referência aos moradores, ao movimento de cargas e descargas nos estabelecimentos comerciais, transportes públicos e veículos prioritários, deixaremos de uma vez por todas de converter espaços verdes e de lazer em parques de estacionamento e vias rodoviárias, ou seja, deixaremos de continuar a matar a nossa Galinha dos Ovos de Ouro. (Já agora, e porque não começarmos desde já a lutar/reivindicar por uma rede de metro ou comboio - «usar transportes públicos terá que ser uma moda» - é preciso mais amadurecimento e consolidação de uma consciência cívica e ambiental, mas ”é caminhando que se faz o caminho”).








PS:
Antes de encerrar estes dois últimos textos, não posso deixar de referir que, longe de pretender apresentar soluções para os diversos problemas da nossa terra, procuro apenas dar um modesto contributo para uma nova forma de entender o ordenamento do nosso território e os problemas relacionados com o ambiente a par da valorização da imagem dos nossos centros urbanos e da nossa paisagem natural.

NOTA : Qualquer conhecedor da realidade do nosso concelho sabe que, para obter as imagens daquelas vias desertas, apenas seria necessário limitar-se, num qualquer dos 365 dias do ano (excepto um ou outro fim-de-semana), a deslocar-se aos respectivos locais e... "click".