quarta-feira, 27 de agosto de 2008

PÉROLAS ?

Agora sim, finalmente entendo o interesse dos autarcas do Município Esposendense na margem direita do Rio Cávado. Afinal está tudo relacionado com a vocação para a jardinagem (! ! !). Só assim se justifica que o Sr. Presidente da Câmara, sabendo de antemão que, conforme o explanado no Plano de Ordenamento e Gestão do Parque Natural Litoral Norte (POGPNLN), a beira-rio entre a Ponte da A28 e a Foz será preservada contra os interesses imobiliários «pelo facto de ser uma área que apresenta valores de relevância elevada» (1), ainda revele publicamente e com grande alarido que para a faixa ribeirinha «é intenção da Câmara Municipal avançar com a 4.ª fase da intervenção ... que inclui a requalificação da zona compreendida entre o edifício dos antigos Estaleiros e a Ponte de Fão, adiantando que estas obras poderão ser concretizadas no âmbito do Projecto Polis Litoral Norte» (2). E tudo isto, já depois do “chumbo” que obteve do ICNB a proposta da Câmara Municipal de Esposende (CME) para «revisão do regime de protecção da área nas imediações do projecto turístico existente na … (algures neste Concelho) …, com vista a ampliação do campo de golfe» (3) ao longo da margem do Cávado.

Propostas como estas, SEI, são tidas pela quase a totalidade dos eleitores deste concelho como autênticas pérolas, por entenderem que contribuem para o “desenvolvimento tanto em qualidade como em prosperidade” do concelho. Aliás, também SEI que é comum aceitar como um dado adquirido que a construção e manutenção de um Campo de Golfe trazem imensos benefícios às populações e à economia local, que vão desde a criação de uns 15 postos de trabalho (4) até ao significativo aumento do fluxo de turistas com elevado poder de compra, também conhecidos por elites (5).

Com todas estas vantagens (?), aos olhos dos nossos autarcas, não deverão passar de pequenos pormenores (passo a redundância) os impactes nocivos sobre os recursos naturais causados pelo Golfe!

Detalhes como:


- a potencial poluição/contaminação química e orgânica das águas superficiais e subterrâneas, resultado da intensiva introdução de fertilizantes químicos e pesticidas nas águas das regas contínuas (paredes-meias com o Cávado);

- o elevadíssimo consumo da tão preciosa e cada vez mais escassa água (os relvados não se mantêm verdinhos por acto de magia, nem o nosso clima é propriamente o do norte do Reino Unido, região de origem deste desporto);







- a irresponsável transformação de áreas rurais em relvados, num momento em que o preço dos produtos alimentares estão progressivamente a encarecer, por via do enrarecimento de solos férteis com vocação agrícola;

- a adulteração irreversível da paisagem, transformando o desenho agrícola-florestal em relvados de aspecto exótico e ajardinado;

- o rompimento/extinção das funções ecológicas das margens do Cávado e terrenos adjacentes;

- a transfiguração de espaços naturais e semi-naturais, introduzindo excessiva perturbação humana permanente e removendo os cobertos vegetais, em particular as comunidades ripícolas, que servem de refúgio e corredor de passagem a algumas populações de mamíferos e aves;

- a destruição/devastação de zonas com importância relevante para a preservação da biodiversidade, provocando a perda de um biótopo onde ocorre um significativo número de diversas espécies faunísticas, como as aves de rapinas diurnas e nocturnas (p.ex. o Tartaranhão-dos-pauis; a Coruja-das-torres, etc.); as invernantes (p.ex. o Abibe; a Tarambola-dourada, etc); ou espécies protegidas legalmente (p.ex. a Garça-vermelha; a Garça-pequena; o Guarda-rios, etc) susceptíveis de serem afastadas do local por perturbação, em virtude dos seus hábitos mais discretos; ainda os mamíferos (p.ex. a Lontra) e a herpetofauna (p.ex. o Lagarto-d’água), pelos efeitos negativos ao nível de toda a cadeia trófica que se iniciará num grande número de invertebrados que simplesmente se extinguirão sob as cortinas de pesticidas;






Garça-vermelha a sobrevoar a área em referência - um cenário habitual durante os meses estivais.



















Garça-pequena, espécie protegida ocasional nas margens do nosso estuário.



























O nidificante Guarda-rios, um autêntico cartão de visita do Parque Natural.













não podem, na óptica dos nossos autarcas, significar a obstrução do “desenvolvimento tanto em qualidade como em prosperidade” do concelho de Esposende.

Então, se assim é, e aceitando (hipoteticamente) a validade daquela perspectiva, o tal Gabinete de Relações Públicas (GRP) deve tentar adequar a sua retórica, com os conceitos de desenvolvimento dos autarcas esposendenses. Frases fáceis como « ... necessidade de se preservar os recursos naturais do concelho ... sensibilizar para a perda de biodiversidade, para a conservação dos recursos hídricos e da fauna e flora ... necessidade de desenvolver actividades pedagógicas relacionadas com as temáticas da protecção ambiental ... » que o GRP não se coíbe em repetir quase infinitamente, não ligam bem com “Campo de Golfe”, por muitas medidas de minimização e compensação que apresentem; não casam bem com “criação de zona destinada a usos do tipo turístico e de lazer articulados com habitação de baixa densidade” (baixa densidade ??? como a do destruído Pinhal da Bonança ???); não soam bem com “requalificação (aterrar, terraplenar, betonar) de zonas inter-mareais ou húmidas" (a montante do Forte de S. João Baptista e dos antigos Estaleiros em Esposende ou Gandra); não condiz com vias rodoviárias a atravessar as florestas da nossa Reserva Agrícola e Ecológica, quando se devia desincentivar o uso do automóvel e promover efectivamente o desenvolvimento sustentável; não se adequa a sobrevoos rasantes sobre o estuário de aeronaves para fins turísticos (???) e regabofe de meia-dúzia a fazer debandar toda a avifauna e perturbar milhares de pessoas que nos procuram para simplesmente usufruir do merecido descanso (6) … senão … torna-se evidente para qualquer leigo que tais palavrinhas não passam de mera eco-maquilhagem.


A construção de uma imagem pública positiva de "amigo do meio ambiente" que, porém, não é condizente com o ordenamento do território que verdadeiramente se tem vindo a verificar neste concelho, gerador de degradação ambiental pela evidente ocupação/substituição dos espaços naturais e semi-naturais por projectos de índole imobiliária, simplesmente DESEDUCA e CONFUNDE os cidadãos desta terra que deveriam ser incentivados a assumirem atitudes responsáveis e não impelidos para o centro de uma autêntica teia traiçoeira de conceitos nebulosos.







(1) in resposta do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) à objecção apresentada pela Câmara Municipal de Esposende quando propôs (em sede de Discussão Pública do POGPNLN) a «reavaliação do regime de protecção daquela área como zona destinada a usos do tipo turístico e de lazer articulados com habitação de baixa densidade» (? ! ? ! ? !).

(2) in notícia do Gabinete de Relações Públicas do Município de Esposende de 21 de Agosto de 2008 (o que significa, para aqueles autarcas, o termo requalificação ?).

(3) in Relatório de Ponderação da Discussão Pública do POGPNLN.

(4) Número médio de empregos criados nos Campos de Golfe existentes no Algarve.

(5) Que bom seria haver um estudo sobre os “benefícios” trazidos pelo projecto já existente em Gemeses para a população (?) comparado com os lucros dos promotores!

(6) in Actas das reuniões da Comissão Mista de Coordenação para elaboração do POGPNLN (propostas apresentadas pela CME de forma reiterada).