segunda-feira, 11 de maio de 2009

ORNITOLOGIA (parte XIV)

OBSERVAÇÃO DE AVES
Estuário do Cávado


Já aqui abordamos várias famílias de aves de rapina, particularmente aquelas que pontuam pelos nossos céus durante a luz do dia. Mas será que com o ocaso, no reino das aves vão todos dormir? É óbvio que não. Tanto ao entardecer como pela noite dentro, nem tudo fica tranquilo nos nossos bosques, campos e mesmo povoações. Nesse período, sob a cortina protectora da escuridão, muitos roedores, outros pequenos mamíferos e ainda uma infinidade de insectos entram em actividade, criando assim uma oportunidade de alimento que algumas aves de presa não desperdiçam. Refiro-me às Aves de Rapina Nocturnas, conhecidas genericamente por mochos e corujas e que nos habituamos a ver como representação de uma das principais virtudes do Homem – a sabedoria.

Estas aves, enquanto predadores de ratos e afins, cuja proliferação é tão nociva para as culturas agrícolas, são reconhecidas como importantes aliadas do Homem, ao evitarem que aquelas populações de roedores atinjam a dimensão de pragas.

Embora não seja de todo impossível, os hábitos crepusculares destas aves tornam o seu registo fotográfico numa tarefa bastante complicada. Assim, como neste caso as únicas imagens que obtive são de uns meros reflexos luminosos dos seus grandes olhos a brilharem na escuridão ou a passagem de uns vultos disformes por entre o arvoredo, e não querendo deixar-vos sem qualquer imagem, fiz o texto ser acompanhado por uma ilustração de um representante desta ordem, da autoria da Sofia, a partir de uma fotografia de Neil Khandke (do portal com o mesmo nome).


Ordem Strigiformes

Família Tytonidae
(uma espécie)


Tyto alba (Coruja-das-torres)
























1 – (Estatuto de conservação) Pouco preocupante;
2 – (Quando observar) Residente;
3 – (Abundância) Ao referirmo-nos às aves de rapina nocturnas, torna-se sempre muito difícil estimar a dimensão das suas populações, no entanto, neste caso em particular, poderemos afirmar, sem grande margem de erro, que esta espécie é comum em todo o território nacional; considerar também o que está mencionado no ponto 5;
4 – (Espécies parecidas) Nenhuma ave de hábitos nocturnos se assemelha a esta, pois o seu peito de um branco brilhante bem visível distingue-a das restantes que apresentam a parte inferior mais escura; ainda assim, não nos podemos esquecer que as luzes das nossas povoações mantêm activas durante parte significativa da noite outro género de aves que não seria suposto estarem acordadas durante este período (p.ex. gaivotas ou pombos com o peito da mesma cor) e que nos podem induzir em erro;
5 – (Habitat e circunstâncias em que se observam) Não é raro ver-se um ou mais indivíduos a sobrevoar a baixa altitude o estuário em frente à zona ribeirinha de Fão que se prolonga até ao Caldeirão e nos campos contíguos, onde já as presenciei a capturarem pequenas aves, e o momento dessas passagens é sempre precedido pela típica vocalização de alarme que, a mim em particular, faz lembrar aquele som de uma correia da ventoinha dos automóveis a patinar devido à humidade ou à falta de tensão (a conhecida chiadeira dos carros mais desafinados); é também habitual, enquanto conduzimos ao longo da EN 13, verem-se a procurarem alimento por toda a veiga agrícola entre Fão e Apúlia e também em Gandra através da ligação à A28, principalmente quando atravessam a estrada e ficam expostas à luz artificial da iluminação pública ou dos faróis dos automóveis; também deve ser salientada a ocorrência, desde há vários anos, de um casal que tem nidificado no Pinhal de Ofir em pela zona turística, cujo local exacto não será revelado, como é óbvio, mas que, além de estar à vista de todos, é facilmente detectado pelas vocalizações das crias a pedirem alimento, cujo som se assemelha, se usarmos um pouco de imaginação e como já ouvi senhoras nas suas passeatas nocturnas a proferirem, “devem ser os esquilos a ressonar”; também não será de surpreender se estas aves forem vistas a “atirarem-se” decididas para o interior da copa das árvores nos jardins em plena zona urbana;
6 – (Tolerância à nossa presença) Enquanto voam parecem simplesmente ignorarem-nos e mesmo quando pousam numa árvore, muro, ruína ou telhado, não se mostram muito tímidas se nos mantivermos com algum afastamento a poucas dezenas de metros; confesso ter a sensação que, se porventura me fizesse acompanhar pela máquina fotográfica com mais assiduidade durante a noite, quer desta espécie, quer do Mocho-galego, já teria obtido alguns registos interessantes;
7 – (Outros dados de interesse) Sabe-se que desenvolveram o hábito de utilizarem estruturas artificiais relacionadas com o meio rural (p. ex. celeiros pouco frequentados), ao qual estão intimamente associadas e aonde devem ser bem-vindas em virtude de, como anteriormente referi, advirem daí benefícios para o Homem.


Família Strigidae
(duas espécies)


Athene noctua (Mocho-galego)

1 – Pouco preocupante;
2 – Como deixei referido logo na introdução a este ensaio, apesar dos guias de campo nos serem muito úteis, podem nem sempre traduzir em absoluto a realidade da região em que nos propomos a estudar a avifauna; de qualquer forma, conforme as estações se alternam e os anos avançam, os praticantes da observação de aves vão calculando com cada vez maior rigor o momento em que podem esperar pelo avistamento de uma determinada espécie que não está entre nós durante todo o ano, ou então, no caso das aves residentes, cedo começam a perceber onde e em que circunstâncias as podem procurar com maior probabilidade de sucesso; mas mesmo assim, a observação de algumas espécies permanece sempre como uma tarefa muito difícil, como é o caso das que estão a ser apresentadas que, além dos seus hábitos discretos e nocturnos, ocupam um leque vasto de habitats muito distintos, que vão desde os bosques densos até jardins urbanos; deste modo, o meu número de registos de avistamento desta espécie em concreto resume-se escassamente a uma ave que, em 2000, numa noite de Verão que já ia longa, encontrei pousada num peitoral de janela de uma casa arruinada com vista para um pequeno pomar ajardinado no casco urbano de Fão e, ainda antes, em 1999, igualmente numa noite estival, dois indivíduos que vi lado a lado também na janela de uma quinta desactivada e devoluta no extremo norte da cidade do Porto (zona que naquele ano ainda era caracterizada pela existência de muitos campos agrícolas, apesar de densamente urbanizada em redor);
3 – Nada a referir;
4 – Não se assemelha a qualquer das outras duas espécies aqui apresentadas; todavia, há a considerar que na Lista de Aves referenciadas para o Parque Natural Litoral Norte ainda constam outras duas desta família, uma das quais – o Mocho-d’orelhas (Otus scops) – muito parecido, especialmente se a ave for observada em pleno voo;
5 – Nada a acrescentar além do que já está exposto no ponto 2;
6 – Tendo em consideração o que está mencionado no ponto 2 (apenas duas observações registadas), sinto não estar em condições de adiantar uma ideia muito válida sobre a tolerância destas aves à nossa presença, mesmo assim, nos dois episódios em causa as três aves envolvidas pareceram-me muito tranquilas, apesar de me ter deparado com os animais a uma distância muito próxima (talvez inferior à dezena de metros) e permanecido largos minutos no local; em ambos os casos a iluminação pública era suficientemente intensa para não ser necessário o uso de flash para a obtenção de uma fotografia bem conseguida; só faltou a máquina;
7 – Continuando a não ter por objectivo a descrição em pormenor das diversas espécies, devo apenas salientar que, a par do Mocho-d’orelhas, esta é uma das rapinas nocturnas mais pequenas a ocorrerem no território nacional, com uma dimensão muito aproximada à de um Melro-preto e, naqueles casos em que se encontram em postura de descanso, a sua silhueta faz lembrar o corpo de uma ave sem cabeça.


Strix aluco (Coruja-do-mato)

1 – Pouco preocupante;
2 – Neste ponto e para esta espécie em particular a expressão «quando observar» deveria ser substituída por «quando ouvir», e digo isto em virtude de nunca ter estabelecido, confirmadamente, contacto visual com uma ave destas; todavia recordo-me que, já desde a infância, nas noites de Verão, principalmente a partir da zona do Ramalhão em Fão, se ouvia com frequência e proveniente do pinhal, o ecoar penetrante da bem conhecida vocalização do macho desta espécie (o melancólico uuu - - uHuUuuuu); nos últimos anos, em regra a partir do mês de Abril até Setembro, ainda se ouvem alguns indivíduos a anunciar a sua presença à fêmea, sendo perceptível que um dos sons mais habituais provém da mancha florestal a sul das Pedreiras e um ou outro chamamento terá origem na envolvente à mata conhecida por Merouços entre Fão e Apúlia; de qualquer das formas, nota-se claramente a diminuição destes sinais de presença;
3 – Nada a referir;
4 – Não se assemelha a qualquer das outras duas espécies aqui apresentadas; há, contudo, a considerar que na Lista de Aves referenciadas para o Parque Natural Litoral Norte estão ainda indicadas outras duas desta família, uma das quais – o Bufo-pequeno (Asio otus) – parecido por também apresentar o abdómen escuro; aliás, devo referir já vi uma ave nocturna completamente escura e de cabeça achatada, certamente mocho/coruja, a atravessar em voo a EN13 na saída sul de Fão, tudo levando a crer que seria uma de entre estas duas espécies; no entanto, ficou por confirmar;
5 – Como o próprio nome indica, distribui-se principalmente pela mata;
6 – Nada a acrescentar;
7 – Nada a acrescentar.