sábado, 7 de março de 2009

ORNITOLOGIA (parte VII)

OBSERVAÇÃO DE AVES
Estuário do Cávado


Para finalizar a abordagem à família dos anatídeos, reservei um grupo de aves que são frequentemente observadas em liberdade no Estuário do Cávado, mais precisamente ao longo da zona ribeirinha de Fão, mas cuja proveniência suscita muitas dúvidas. As origens naturais de algumas delas são tão longínquas (continente americano, sudeste asiático, ou Austrália, por exemplo) que prontamente percebemos estar perante espécies alóctones ou exóticas, criadas para fins ornamentais ou cinegéticos. Porem, outras são oriundas de zonas do globo relativamente próximas da Europa ocidental (em geral do norte de África ou do Árctico), as quais, apesar da possibilidade de introdução no nosso território através de fugas ao cativeiro, poderão ser aves selvagens, contudo, nestes casos, a genuinidade das ocorrências encontra-se sujeita a homologação do Comité Português de Raridades (CPR).
Torna-se, pois, relevante estudar a evolução das várias populações que se estão a estabelecer no nosso País, a existência de indícios de reprodução, ou o seu estatuto enquanto potenciais invasores, de forma a determinar o grau de ameaça para as espécies nativas (por exemplo, competição por espaços para alimentação ou nidificação ou ainda a hibridação com espécies próximas).
Assim, pela singularidade deste tipo de observações, serão estes os aspectos que acompanharão as imagens de cada uma das aves ilustradas (que não correspondem à totalidade das que estão identificadas como ocorrentes na nossa região).


Ordem Anseriformes

Família Anatidae
(número indeterminado de espécies)


Cygnus olor (Cisne-mudo)













































































































Espécie considerada indígena no noroeste do continente europeu, incluindo as Ilhas Britânicas e o sul da Península Escandinava, mas excluindo a Península Ibérica (onde é apenas considerada uma raridade), estendendo-se pela Ásia até ao seu extremo oriental. Porém, já em várias partes do globo, desde praticamente todo o hemisfério norte até à distante Nova Zelândia, a espécie conta com o estabelecimento de muitas populações ferais, ou seja, oriundas do cativeiro que regressaram à natureza.
Mesmo em estado selvagem, a espécie adapta-se bem à presença humana, pelo que é conhecida como a ave ornamental por excelência. Face a essa característica, é frequentemente introduzida nos lagos dos nossos parques urbanos onde, inclusivamente, se reproduz com facilidade.
Então, considerando este facto e o de que as populações setentrionais têm o hábito de migrar para climas mais amenos a sul, após a época de nidificação, permanece a dúvida quanto à classificação (de selvagens ou de ferais) do pequeno bando de seis Cisnes-mudos que ocorreu no Estuário do Cávado entre Outubro de 2003 e o restante período de Inverno, os dois espécimes que voltaram em Setembro de 2004 e os meses seguintes e, finalmente, supostamente os mesmos dois, que regressaram em Setembro de 2005 – observações sujeitas a homologação pelo CPR.
De salientar que as aves em apreço, ao contrário daquilo que estamos habituados quando as visitamos nos jardins públicos, reservavam sempre uma distância nunca inferior a 20 metros quando tentava aproximar-me.
A espécie está assinalada no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (LVVP) como nidificante em semi-liberdade.


Cygnus atratus (Cisne-negro)
























Em estado selvagem esta espécie, sem hábitos migratórios, ocorre quase exclusivamente no outro lado do mundo pela Austrália e Nova Zelândia, contudo, é usada frequentemente para fins ornamentais em jardins particulares ou em parques urbanos um pouco por todo o planeta. Portanto a presença de três espécimes destes pela marginal de Fão entre Setembro e Outubro de 1999 e em entretanto em 2007, deve ser sempre encarada como um exotismo em fuga ao cativeiro.


Branta leucopsis (Ganso-de-faces-brancas)























































Em Outubro de 2005 surgiu junto à marginal de Fão um tímido indivíduo desta espécie que paulatinamente, ao longo de alguns meses, foi permitindo a aproximação dos transeuntes. Com o passar dos anos, foi a própria ave que começou a procurar as pessoas que se abeiravam da margem para alimentarem os “primos” patos. Portanto, esta seria uma ave domesticada evadida de algum lago de jardim.
Devo referir no entanto que as origens geográficas desta espécie, congénere do já apresentado como acidental Ganso-de-faces-negras, não são muito longínquas, coincidindo as suas áreas de distribuição durante o Inverno pelas Ilhas Britânicas e pontualmente pelo noroeste do continente europeu. Além disso, a SPEA atribui-lhe a classificação de raridade em Portugal, não sendo, portanto, de excluir a hipótese de ocorrerem irregularmente na região indivíduos desta espécie na condição de acidental, no entanto, essas observações estarão sempre sujeitas a homologação pelo CPR.


Tadorna ferruginea (Pato-ferrugíneo)









































































Esta espécie, constante no Anexo A-I da Directiva Aves, está classificada no LVVP como regionalmente extinta mas, em simultâneo, também como reprodutora no continente. Por sua vez, a SPEA atribuiu-lhe o estatuto de raridade, ainda que o IUCN considere o grau de ameaça global sobre as suas populações com pouco preocupante. Por fim, ainda consta na lista de aves referenciadas para o PNLN.
Assim, não foram de estranhar todas as dúvidas que se me levantaram quando em Novembro de 2000 vi surgir uma fêmea desta espécie que se manteve no nosso estuário durante todo aquele Inverno até Março de 2001. Devo referir porém que este exemplar, que frequentava sobretudo a área norte do sapal, nunca se aproximava das zonas marginais do Cávado, evitando permanentemente a presença de humanos por perto, comportando-se portanto como uma ave em estado selvagem. Desde então, jamais a vi por estas paragens, até que em Maio de 2006 ocorreu outro indivíduo desta espécie, mas numa zona totalmente distinta da primeira, ou seja, na já muitas vezes indicada marginal de Fão, onde se agregou até ao Verão seguinte à mescla de anatídeos que por ali “estacionam”. Desta vez, a ave (que corresponde à que aparece nas fotos) tolerava-nos com naturalidade, deixando transparecer as suas óbvias origens domésticas.
Quanto à distribuição desta espécie pelas áreas mais próximas do globo, há a referir que é considerada nativa na Turquia e na Grécia e que algumas populações invernam no Parque Nacional de Donhana no extremo sul de Espanha.
Para concluir os apontamentos sobre estas aves, e seja qual for a proveniência da primeira que aqui mencionei, deve ser salientado que todas as observações desta espécie encontram-se sujeitas a homologação pelo mencionado CPR.


Cairina moschata (Pato-mudo)



































Assim como no lado de cá do Atlântico, desde tempos imemoriais, nos dedicamos à criação do Pato-real como ave de capoeira, os povos primitivos da América do Sul domesticaram o Pato-mudo. Com a chegada dos europeus àquele continente, logo a espécie se distribuiu em larga escala por todo o planeta para fins alimentares e também ornamentais.
A sua área de distribuição natural cinge-se ao Novo Mundo, portanto, aqueles que vemos pela marginal de Fão não são mais do que indivíduos ali largados com propósitos meramente decorativos.
A espécie está assinalada no LVVP como nidificante em semi-liberdade.


Alopochen aegyptiacus (Ganso-do-egipto)















































































Em Dezembro de 2002 ocorreu um indivíduo desta espécie na zona norte do sapal, o qual não deverá ter permanecido nestas paragens por muito tempo, pois logo deixou de ser avistado. Entretanto, desde o Verão de 2005, são frequentemente avistados vários exemplares na marginal de Fão ao longo de todo o ano e até ao número máximo de seis.
Embora seja nativa da vizinha África e já tenha sido introduzida no Reino Unido há mais de quatro séculos, segundo dados da SPEA, as observações desta espécie no nosso País não devem ser sequer consideradas raridades.
Assim, os indivíduos das fotos, obtidas nos vários cais de Fão, devem ser vistos como exotismos em fuga ao cativeiro. É conveniente esclarecer contudo que quando me refiro a “cativeiro”, particularmente se falamos de anatídeos, não significará que as aves estiveram enclausuradas, aliás, neste caso específico é habitual a sua introdução nos lagos dos jardins públicos ou particulares gozando de relativa liberdade.


Aix sponsa (Pato-carolino)






































Indígena na América do Norte, parte da Central e Caraíbas, este pato de coloridos padrões exuberantes foi amplamente adoptado pelos europeus para embelezar os seus jardins. Portanto, o casal desta espécie que fez da zona ribeirinha fangueira a sua casa até ao Verão de 2006 é seguramente um exotismo em fuga ao cativeiro.
De qualquer forma, não queria deixar de referir que, conforme podem ver numa das imagens, no ano em que os adultos deixaram de ser observados no nosso rio, ainda permaneceu por cá um juvenil até Agosto (na linha de água entre o Cortinhal e o Caldeirão), todavia, desconheço se este caso foi resultado de um episódio de nidificação na nossa região.
Existe literatura que se refere ao estabelecimento de populações selvagens no Reino Unido, a partir de aves oriundas do cativeiro, do congénere Pato-mandarim (Aix galericulata).


Anas sibilatrix (Piadeira-do-chile)





































Ave exótica na Europa de ocorrência exclusiva às regiões mais austrais da América do Sul.
As fotos que acompanham o texto foram obtidas nos cais de Fão em Agosto de 2008.


Anas bahamensis
(Pato-das-bahamas)






































Espécie natural da América do Sul, Estados Unidos da América, Gronelândia e Caraíbas. A ocorrência no continente europeu, onde é exótica, deve-se certamente a fugas ao cativeiro.
As fotos que acompanham o texto foram obtidas nos cais de Fão em Outubro de 2004 e em Junho de 2006.


Lophodytes cucullatus (Merganso-capuchinho)
























































Lamento desiludir alguns dos menos esclarecidos apreciadores da fauna ribeirinha de Fão, mas efectivamente a ocorrência, desde Agosto último, de uma fêmea desta espécie no Cávado não deverá passar de mais um exotismo da mesma ordem das que ultimamente apresentei. A área de distribuição natural destas aves limitar-se-á à metade norte do continente americano, incluindo o istmo central, as Caraíbas e ainda a Gronelândia. Os muitos espécimes que se assilvestraram por esta Europa fora, terão escapado dos inúmeros locais de criação para fins ornamentais.