domingo, 15 de março de 2009

ORNITOLOGIA (parte VIII)

OBSERVAÇÃO DE AVES
Estuário do Cávado


Assim como apelidamos popularmente o leão como o rei da selva, também me apetece atribuir às aves que se seguem nesta apresentação o título de majestades do reino alado. E são muitas as características que justificam este adjectivo, desde logo, mesmo nas primeiras observações, é impossível ficar indiferente aos seus imponentes voos, às suas habituais poses altivas no cimo de uma árvore, poste ou edifício enquanto descansam, ou ainda ao poder das suas fortes garras e bicos aguçados quando dirigem os ataques às presas que lhes servem de alimento – refiro-me, como já terão percebido, às aves de rapina.
Mas nem só nas particularidades estéticas deve residir o nosso fascínio ou interesse por estas aves. A posição ecológica que ocupam, no topo da cadeia alimentar, torna-as espécies bioindicadoras, ou seja, a ocorrência ou abundância das suas populações transmitem-nos dados importantes sobre a vitalidade e equilíbrio ou contaminação e deterioração de um determinado ecossistema. Por tal, é sempre como um sinal de esperança na preservação da natureza que encaro cada registo de observação destas aves na nossa terra.


Aves de Rapina Diurnas


Ordem Accipitriformes

Família Accipitridae
(seis espécies)


Milvus migrans (Milhafre-preto)



















1 – (Estatuto de conservação) Pouco preocupante, mas consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – (Quando observar) Abundam e mantêm presença assídua durante o período estival no nosso País, com excepção do Minho e Douro Litoral, pelo que o único indivíduo que observei a sobrevoar o estuário do Cávado (na foto) passou por cá certamente de modo acidental e em rota migratória (em Novembro de 2005);
3 – (Abundância) Nada a acrescentar;
4 – (Espécies parecidas) Para muitos ornitólogos amadores, mesmo aqueles mais experientes, a identificação das aves de rapina pode representar uma tarefa delicada; no meu caso particular recorro frequentemente ao registo fotográfico das aves observadas para posteriormente examinar as imagens com a necessária minúcia e as reconhecer; de qualquer modo, esta espécie em particular é relativamente fácil de distinguir de outras parecidas, por exemplo o Tartaranhão-dos-pauis, pois é uma de apenas duas aves de presa que apresentam as caudas bifurcadas (a outra é o congénere Milhafre-real ou Milhano, cuja ocorrência é ainda menos provável nesta região);
5 – (Habitat e circunstâncias em que se observam) O indivíduo em questão foi observado a sobrevoar parte do Cávado em frente à zona urbana de Fão e a alguma altitude;
6 – (Tolerância à nossa presença) Por regra, tanto esta como as restantes aves de rapina aqui mencionadas são muito cautelosas e não permitem que nos aproximemos o suficiente para as alcançar com as lentes das nossas máquinas fotográficas, no entanto, nas regiões onde habitualmente ocorrem, alguns indivíduos desta espécie não se coíbem em frequentar zonas mais urbanizadas onde nos sobrevoam a distâncias relativamente curtas, possibilitando-nos imagens com um proveito razoável; (ver também o exposto no mesmo número da espécie seguinte);
7 – (Outros dados de interesse) Considerando que «…os dados preliminares do Novo Atlas das Aves que nidificam em Portugal indiciam que a população tem vindo a aumentar e a expandir a sua área de distribuição» (fonte ICNB) e que esta espécie está grandemente associada à proximidade de massas de água, não será de estranhar o aumento do número de observações na nossa região.


Circus aeruginosus (Tartaranhão-dos-pauis ou Águia-sapeira)























































1 – Vulnerável, consta no anexo A-I da Directiva Aves e é uma espécie definida como de conservação prioritária para o Parque Natural Litoral Norte (PNLN);
2 – Desde 1997, uma fêmea (talvez mais) tem invernado no Estuário do Cávado (entre Setembro e Março) todos os anos e sem interrupções;
3 – Raro;
4 – Como já foi referido, a espécie anterior pode assemelhar-se, todavia é mais provável a confusão com o ligeiramente mais pequeno Tartaranhão-azulado, ainda que nesta ave a cor branca marcadamente larga do uropígio (base do dorso no início da cauda) é característica suficiente para distinguir estas aves;
5 – É observado habitualmente a sobrevoar o juncal, o sapal e, por vezes, os campos agrícolas de Gandra, quase sempre a baixa altitude com movimentos lentos de asas, claramente à procura de presas que captura com frequência;
6 – Conforme se pode constatar pelas péssimas fotos que ilustram cada uma das espécies apresentadas na presente série, estas aves tão fotogénicas não são propriamente muito amigas dos paparazzi da avifauna;
7 – No PNLN estão identificadas condições favoráveis à sua nidificação.


Circus cyaneus (Tartaranhão-azulado)

1 – Vulnerável (população visitante) e consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Ver o ponto 4;
3 – Ocasional (supostamente migrador de passagem);
4 – De acordo com o que referi para o Milhafre-preto, a única forma de determinar com segurança algumas espécies de aves de rapinas que observo, é através da obtenção de fotos que documentam as suas passagens; consta nos meus cadernos de campo o trânsito pelo estuário de indivíduos que me parecem desta espécie e sempre no Outono desde 1998 (naquelas anotações é mencionada a não confirmação da espécie por possibilidade de confusão com outras do género Circus); assim, apenas comprovei com todas as garantias a ocorrência de uma destas aves no início de Dezembro do último ano (na parte sul do estuário pela linha de água que passa junto à Pousada da Juventude em Fão até ao cais do Caldeirão), e tal só foi possível por via de um registo fotográfico que obtive, mas cuja qualidade é tão má, que nem me atrevo a colocá-lo neste espaço;
5 – Nada a acrescentar;
6 – Considerar o que está mencionado em igual número da espécie anterior;
7 – Nada a referir.


Accipiter nisus (Gavião)



















1 – Pouco preocupante;
2 – Mais uma vez, e por muito que queira evitar a repetição, não posso deixar de me referir à dificuldade de identificar estas espécies; desde que me dedico à observação aves, principalmente durante os meses de Outono, tem sido frequente observar determinadas rapinas a perseguir bandos de fringilídeos (Pintassilgos, Pintarroxos e afins) tanto pelas dunas como no estuário, contudo, a predadora é sempre tão veloz e as suas aparições são tão breves, que nos meus apontamentos apenas menciono a possibilidade (não confirmada) de se tratar de aves desta espécie ou do congénere Accipiter gentilis (Açor); à semelhança do que referi no Tartaranhão-azulado, em Novembro de 2008, já depois de ter visto inúmeras vezes e em vários dias consecutivos um suposto Gavião a tentar capturar pequenas aves na zona do estuário popularmente chamada de “Paul”, consegui “atingi-lo” com um disparo da minha modesta máquina fotográfica (imagem acima);
3 – Não disponho de dados suficientes para me referir à sua abundância na região, mas haverá a hipótese de não ser tão raro quanto possa parecer (ver bibliografia);
4 – Há a considerar algumas semelhanças com o Açor, também do género Accipiter, cuja ocorrência na área em estudo não está por mim confirmada, mas consta na lista de aves referenciadas para o PNLN (ver também o que referi no número 2); embora haja uma substancial diferença nos tamanhos, a fêmea do Gavião quase atinge as dimensões do macho do Açor, no entanto esta característica nem sempre é determinante para identificar a ave durante o voo; se tivermos a felicidade de avistar estas aves a caçar, a dimensão da presa pode ajudar-nos a identificá-las, ou seja, enquanto o Gavião persegue quase exclusivamente pássaros pequenos, o Açor dirige os ataques a outros de dimensões mais próximas dos tordos ou dos pombos que não são propriamente o alimento de eleição da primeira espécie;
5 – Nada a acrescentar;
6 – Considerar o que está mencionado em igual número para o Tartaranhão-dos-pauis, devendo também ser salientado que as velocidades atingidas pelo Gavião em voo são de tal ordem, que quando passa por perto, quase sempre só nos apercebemos do zumbido provocado pela deslocação de ar, seguido do vislumbrar de um vulto que rapidamente desaparece;
7 – Nada a acrescentar;


Buteo buteo (Águia-de-asa-redonda)














































































1 – Pouco preocupante;
2 – Residente, mas o indivíduo que podem ver na foto pousado num pinheiro, frequenta aquela zona, desde há três anos, apenas durante o Outono e o Inverno – a bibliografia consultada refere-se à possibilidade de haver populações mais setentrionais que invernam no nosso País;
3 – Comum;
4 – Os espécimes habitualmente vistos na nossa região, conforme o ilustrado nas fotos, apresentam o peito e a parte inferior das asas de cor castanho claro percebendo-se algumas listas de cor mais escura, porém, tanto nesta espécie como na Águia-calçada, as plumagens variam de uma fase escura para outra mais clara, podendo, por via dessa alterações, apresentarem padrões parecidos;
5 – Distribui-se por quase todos os tipos de habitats naturais e semi-naturais, desde zonas agrícolas próximas das nossas povoações, até à beira das estradas e vias rápidas, passando pelos pinhais; frequentemente empoleira-se de modo desinibido nos postes ou outros poisos vigiando as suas presas; nestas circunstâncias, se nos deslocamos de automóvel, podemos aproveitar para o imobilizar e discretamente, sempre a partir do seu interior, serão possíveis fotos de qualidade aceitável;
6 – Nada a acrescentar;
7 – São observados vários pares destas aves nas clareiras ou perímetros de áreas florestais do concelho, como as que se localizam entre Fão e Apúlia, em todas as freguesias que se estendem pela Arriba Fóssil, ou ainda nas zonas de predominância agrícola em Fonte Boa e Rio Tinto, onde se desenvolvem condições favoráveis à sua nidificação.


Hieraaetus pennatus (Águia-calçada)





































1 – Quase ameaçada e consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – O indivíduo que aparece nas fotografias foi o único que observei a sobrevoar o nosso estuário (em 24 de Novembro de 2003);
3 – Ocasional; pelo que consta na bibliografia consultada esta espécie também pode ser classificada como migradora de passagem durante o Outono e, nessa condição, é das mais comuns no nosso País;
4 – Ver o que foi mencionado em igual número para a Águia-de-asa-redonda; além disso, repare-se que no caso desta, e conforme as fotos, a plumagem mais habitual é a da fase clara, ao contrário da espécie anterior;
5 – Na única observação efectuada, em pleno estuário, a águia pairou mesmo por cima de mim durante muitos minutos quase sem se deslocar, até que de repente lançou um rápido mergulho na direcção do solo onde capturou uma ave limícola que transportou nas garras para o pinhal deixando de ser avistada;
6 – Se na data do episódio acima narrado dispusesse de uma máquina fotográfica de qualidade razoável, estou certo de que teria obtido fotos bem conseguidas daquele exemplar que não se manifestou minimamente incomodado com a minha presença;
7 – Nada a acrescentar.



Família Pandionidae
(uma espécie)


Pandion haliaetus (Águia-pesqueira)






































1 – Em perigo (população invernante), consta no anexo A-I da Directiva Aves e é uma espécie definida como de conservação prioritária para o Parque Natural Litoral Norte (PNLN);
2 – Desde 1998 até 2007 ocorreu um indivíduo invernante no estuário do Cávado, ou seja, todos os anos e sem interrupção, chegava no mês de Setembro e permanecia por cá até ao Inverno (nalguns anos até Março); em 24 de Outubro de 2001, instantes depois da “nossa ave” se ter dirigido pelo Cávado acima para montante com um peixe nas garras que lhe tinha demorado longos minutos a capturar no sapal, surgiu um par de indivíduos da mesma espécie, vindos do lado da praia e também tentaram a sorte que contudo lhes saiu frustrada, voltando ambos entretanto para a sua rota pelo mar; em 19 de Abril de 2002, já largamente fora das datas habituais, avistei um indivíduo a sobrevoar o estuário; em 6 de Fevereiro de 2003 voltei a detectar a presença de dois exemplares;
3 – Raro; neste último Inverno já não foi observado no Cávado;
4 – De entre as aves de rapina que nos visitam, mesmo de modo ocasional, não existe outra qualquer espécie que se lhe compare; para os mais distraídos, esta espécie pode muito bem passar despercebida como uma grande gaivota;
5 – Alimentando-se exclusivamente de peixe, a espécie vive na proximidade de massas de água, como é o caso do nosso estuário, contudo apenas ocorria aqui para capturar as suas presas, seguindo sempre pelo Cávado para interior com o peixe nas garras (em Outubro de 2004, ao observar a águia a caçar junto à foz, dirigi-me tão rápido quanto pude até à “Lagoa do Marachão” para tentar perceber onde se situava o local de poiso e pernoita, confirmando então que dali ainda seguia mais para montante); na grande maioria das ocasiões em que sobrevoava esta área, logo se descobria a sua presença pela agitação que provocava em toda a avifauna que à sua passagem levantava voo e que só voltava a tranquilizar-se depois de assistir aos seus mergulhos a velocidades vertiginosas na direcção da água com as patas estendidas para a frente resgatando peixes de tamanho apreciável;
6 – No estuário apenas a via pousada quando, depois de uma série de “mergulhos” frustrados, não concretizava qualquer captura e descansava por curtos períodos de tempo e nestas circunstâncias era muito prudente, nunca permitindo qualquer tentativa de aproximação; em voo, muitas vezes não se coibia de passar mesmo por cima das nossas cabeças se estivéssemos próximos do seu alvo;
7 – Atrevo-me a considerar esta espécie como o ex-líbris da nossa avifauna e, a confirmar-se o seu desaparecimento dos nossos céus, isso representará um empobrecimento significativo no nosso património natural.


Ordem Falconiformes

Família Falconidae
(uma espécie)


Falco tinnunculus (Peneireiro-vulgar)























































1 – Pouco preocupante;
2 – Residente;
3 – Comum;
4 – Nenhuma;
5 – De todas as aves de presa aqui referidas é a mais tolerante à nossa presença, aliás, elege as nossas aldeias, vilas e até cidades como um dos seus habitats onde inclusive faz das saliências em construções humanas, local de nidificação, ou dos postes da iluminação pública nas beiras das estradas, poleiros de onde se lança em actividade de caça; não é raro vê-los a peneirar praticamente imóveis, a poucos metros do chão, parecendo que unicamente nos desafiam ao “disparo” fotográfico;
6 – Além das nossas povoações, como referi, ainda frequenta uma grande variedade de habitats naturais como o estuário, as dunas, o pinhal e, principalmente, áreas de predominância agrícola onde é costume vê-los a capturar pequenos ratos;
7 – A par de outras rapinas contribui fortemente para a prevenção de pragas de pequenos roedores que tanto ameaçam as nossas culturas agrícolas.