terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

ORNITOLOGIA (parte V)

OBSERVAÇÃO DE AVES
Estuário do Cávado

Vou dedicar agora a atenção à família dos Anatídeos (Gansos, Patos e afins), cujas ocorrências neste troço final do Cávado nos são muito familiares, mas têm causado algumas confusões a quem começa a dar os primeiros passos nestas coisas da observação de aves. Efectivamente, as nossas zonas húmidas, e em particular o estuário, constituem locais muito importantes nos ciclos anuais deste tipo de animais, quer servindo sucessivamente como zona de refúgio nos rigorosos Invernos, ou como território para descanso e alimentação nas longas campanhas migratórias, também como habitat de nidificação, ou ainda como área de acolhimento a muitas espécies exóticas que se assilvestraram depois de fugas ao cativeiro. Por tal, torna-se aqui importante tentar distinguir quais são as espécies selvagens indígenas – que vão ser apresentadas de imediato e no post seguinte – e que de facto representam algum valor em termos ecológicos, daquelas cujas presenças se devem a causas não naturais, ou seja, espécies usadas pelo Homem para fins ornamentais e que estão a ser inadvertidamente introduzidas na Natureza – que serão, algumas delas, mencionadas na Parte VII deste trabalho – e que poderão constituir um factor de ameaça ao equilíbrio ambiental. Devo dizer também que em alguns casos se torna difícil, mesmo para os mais atentos ou entendidos nesta matéria, identificar convenientemente a origem dos vários espécimes que nos “visitam”, persistindo, em muitos casos, interrogações às quais não me vou arrogar em tentar decifrar.


Gansos, Tadornas e Patos de superfície


Ordem Anseriformes

Família Anatidae

(dez espécies)


Anser anser (Ganso-bravo)

1 – Quase ameaçado;
2 – No final de Outubro de 2000 surgiu no estuário do Cávado um par de indivíduos que se manteve na área durante aquele Inverno até ao mês de Fevereiro, entretanto, em Janeiro e depois em Dezembro de 2003, foi avistado outro espécime e, em Fevereiro de 2006, o mesmo habitat foi frequentado por um bando constituído por 6 (seis) aves; assim, poderá ser considerada uma espécie invernante;
3 – Ocasional raro;
4 – Fácil, mesmo a longas distâncias percebe-se que é substancialmente maior que todos os “patos” que ocorrem habitualmente na área;
5 – Nas poucas ocorrências registadas, as aves mantinham-se demoradamente na zona do estuário mais próxima da foz (naquela língua de areia no extremo norte do sapal), mas também se embrenhavam regularmente por entre a vegetação herbácea do prado juncal onde pareciam que “pastavam” e, amiudadamente, quando eram perturbados pela aproximação de alguma embarcação, eram vistos em fuga a sobrevoar a zona mais a nascente mesmo em frente à faixa urbana de Fão;
6 – Nada tolerantes à presença de humanos;
7 – Os numerosos Patos-reais que se distribuíam pelo estuário aceitavam com visível naturalidade que os poucos indivíduos desta espécie se agregassem aos seus bandos e nestas circunstâncias tornava-se óbvia a diferença de tamanhos.


Branta bernicla (Ganso-de-faces-negras)

1 – Aqui convém introduzir uma breve nota sobre estatutos de conservação – no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (documento que estou a usar como referência para atribuir o grau de ameaça que pende sobre as várias espécies aqui mencionadas), não estão listadas 11 espécies de aves que já identifiquei como ocorrentes no nosso estuário e zonas adjacentes e isso deve-se simplesmente ao facto das suas populações não estarem avaliadas ou ainda em virtude de surgirem no território nacional de forma ocasional; quase metade desse número de espécies (cinco no total) é desta família em particular; assim, para todas elas farei constar a classificação que a União Mundial para a Conservação lhes atribuiu ao nível global, seguido da sigla daquela associação (IUCN); assim, segue-se o respectivo estatuto da actual espécie: - Pouco preocupante (IUCN);
2 – No início de Novembro de 1998 surgiu um indivíduo no estuário, entretanto no mês subsequente juntou-se-lhe uma segunda ave daquela espécie, permanecendo ambas por cá até ao final de Março seguinte; desde então, jamais registei outras ocorrências;
3 – (Supostamente) acidental;
4 – O Ganso-de-faces-brancas (que será apresentado na Parte VII) possui algumas características semelhantes mas, como os próprios nomes indicam, uma observação mais atenta às suas faces é suficiente para determinar devidamente a espécie;
5 – Os dois espécimes costumavam permanecer em águas pouco profundas junto à restinga onde agora está instalado o observatório panorâmico;
6 – Nada tolerantes à presença de humanos;
7 – Ainda que em todas as ocorrências ocasionais que envolvam anatídeos, haja sempre a possibilidade de não corresponderem a aves selvagens, neste caso optei por considerá-las como tal por duas ordens de razão: em primeiro lugar pelo comportamento tímido manifestado por ambos os indivíduos e, depois, por constar na lista de espécies de aves de ocorrência regular em Portugal Continental apresentada pela SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (embora como invernante raro).


Tadorna tadorna (Pato-branco ou Tadorna)




































1
– Pouco preocupante (IUCN);
2 – Surge irregularmente no nosso estuário, num máximo verificado de 4 indivíduos, sempre durante o Outono e aparentemente de passagem, como é o caso do indivíduo das fotos (Novembro de 2005);
3 – Ocasional raro;
4 – Fácil;
5 – Nas imediações da referida língua de areia no extremo norte do sapal e pelo interior do mesmo até junto do local onde actualmente está instalado o observatório do passadiço da “junqueira”;
6 – Pouco tolerantes à presença de humanos;
7 – A considerar o mesmo que foi referido em igual número da espécie anterior (com a diferença de que esta espécie está considerada como invernante pouco comum – potencialmente, um pouco mais provável de ocorrer na região).


Anas penelope (Piadeira)



















1 – Pouco preocupante;
2 – Invernante, normalmente chega à nossa região e Novembro e parte em Março;
3 – Embora variando em número de ano para ano, costuma ser comum;
4 – O macho distingue-se facilmente, mas a fêmea pode ser confundida com a da Frisada, a do Marreco, a do Arrábio, ou a do Pato-real, aliás à semelhança daquilo que se verifica em quase todas as espécies de patos (género Anas);
5 – Praticamente todos os bandos de anatídeos selvagens que nos visitam durante o Inverno “estacionam a caravana” no plano de água compreendido entre o cais do outrora denominado Clube de Pesca (na restinga) e o outro mais junto à Estalagem Parque do Rio, mas do lado oposto àquele passeio que se estende ao longo das vivendas da margem;
6 – Nada tolerante à nossa aproximação;
7 – As várias espécies de anatídeos formam bandos mistos com muita frequência, pelo que, ao avistar um formado predominantemente por uma determinada espécie, que previamente identificamos a olho nu sem dificuldade, não devemos deixar de dar uma espreitadela mais atenta através de um qualquer instrumento óptico de auxílio, sob pena de podermos perder a oportunidade de identificar outras que se encontram no grupo (a espécie em referência não foge a esta regra e a foto foi obtida numa dessas situações – indivíduo mais à direita).


Anas strepera (Frisada)

1 – Quase ameaçado;
2 – Invernante;
3 – Há mais de dez anos era normal, durante os meses de Dezembro ou Janeiro, avistar-se um ou outro bando constituído por cerca de uma dezena de indivíduos, no entanto, ultimamente, apenas têm sido avistados indivíduos isolados ou aos pares e nem todos os anos isso se verifica;
4 – O macho distingue-se da fêmea pela cauda preta, mas ambos podem ser confundidos com outras fêmeas de outros patos (ver o referido na espécie anterior); em voo, basta prestar um pouco de atenção à mancha branca bem visível que ostenta na asa (espelho) para diagnosticar a espécie;
5 – O mesmo que referido para a espécie anterior;
6 – Nada tolerante à nossa aproximação;
7 – Nada a acrescentar.


Anas crecca (Marrequinho)



















1 – Pouco preocupante;
2 – Invernante;
3 – Comum, por vezes abundante, surgindo bandos constituídos por largas de dezenas ou algumas centenas de indivíduos;
4 – Relativamente às fêmeas deve ser considerado o mesmo que já referi para a Piadeira, porém, esta espécie é substancialmente menor que todos os outros patos (do género Anas), com excepção do raro Marreco;
5 – Frequenta as mesmas zonas que indiquei para as espécies anteriormente apresentadas mas também são vistos alguns bandos pelo curso principal do Cávado até à Ponte da A28 ao longo da margem direita;
6 – Pouco tolerante à presença humana; mesmo para conseguir obter a péssima imagem que acompanha estas notas, foi necessário algum esforço e muita paciência;
7 – Uma das formas de, a longas distâncias, identificarmos com facilidade esta ave, é através da verificação da mancha amarela notória junto à cauda.


Anas querquedula (Marreco)

1 – Pouco preocupante (IUCN);
2 – Em Março de 2001 avistei um casal na zona norte do estuário onde habitualmente se avistam outros patos que, pelo que me foi possível perceber, apenas ali se mantiveram por um dia; entretanto só voltei a observar um pequeno bando constituído por 4 indivíduos desta espécie em 2007, também em Março, e, ainda em igual número, voltaram a ser avistadas nos meses de Agosto daquele mesmo ano e do seguinte, mas, nestes dois últimos casos, as aves tendiam a permanecer na parte do Cávado entre as duas pontes e próximas do lado de Gandra – portanto, enquanto no primeiro caso poderíamos estar perante aves em rota de migração (para norte), nestas últimas situações há a possibilidade de serem estivais acidentais;
3 – Raro;
4 – Ver Marrequinho;
5 – Nada a acrescentar;
6 – Muito tímidos;
7 – Conforme o anteriormente exposto, o local em que nos últimos Verões têm sido observadas estas aves, não corresponde ao que habitualmente é frequentado pela maioria dos anatídeos; creio que tal situação se deve ao aumento de diversos factores de perturbação na parte norte do estuário, como é o caso, por exemplo, dos praticantes de pesca de recreio, mesmo assim com um peso pouco significativo quando comparado com os prejuízos causados pelas actividades náuticas motorizadas desregradas que, embora proibidas, continuam a ser consentidas e praticadas por pessoas pouco sensíveis aos valores naturais em presença e que têm o incompreensível gozo de ver as aves a debandar.


Anas acuta (Arrábio)



















1 – Pouco preocupante;
2 – Apenas registei a presença de um casal desta espécie em Janeiro de 2002;
3 – Ocasional raro;
4 – Com as já referidas ressalvas em relação à fêmea, é fácil de identificar;
5 – Parte norte do estuário junto à restinga;
6 – Nada a referir;
7 – Nada a referir.



Anas platyrhynchos
(Pato-real)






































































1
– Pouco preocupante;
2 – Ocorrem na região dois tipos de populações distintas, uma Invernante, totalmente selvagem, e outra Residente (também nidificante), na qual podemos incluir, além de aves bravias, aquelas que se domesticaram e frequentam a zona urbana ribeirinha de Fão (convém salientar que esta é a espécie antepassada do patos domésticos);
3 – As residentes são comuns, mas quanto às invernantes, não maior parte dos anos, podemos considerar a espécie como abundante, ocorrendo à região muitas centenas (talvez milhares) de aves;
4 – Com as já referidas ressalvas em relação à fêmea, é fácil de identificar; mas aqui gostaria de acrescentar que logo após a época de reprodução, sensivelmente a partir de Junho até Setembro, é costume ver os machos a entrarem na chamada fase de eclipse (mudança da pena) durante a qual ficam mais parecidos com as fêmeas, distinguindo-se destas pelo bico amarelo; também devemos considerar a possibilidade de alguma descendência das aves mais urbanizadas estarem mais sujeitas a mutações que lhes altera profundamente o padrão da plumagem ou até o próprio tamanho – no caso do nosso estuário já foram vistos Patos-reais completamente brancos, ou pretos ou mesmo com um colorido iridescente;
5 – Ocupa uma grande variedade de habitats onde haja água por perto, desde toda a extensão do curso do Cávado, até charcos no seio do pinhal, campos agrícolas alagados e mesmo ao longo da costa pelo mar;
6 – Os espécimes selvagens, quando sentem a nossa aproximação a largas dezenas de metros, logo disparam como mísseis em fuga, porém, as aves mais urbanizadas quase que permitem que as alimentemos à mão (como é óbvio, as fotos foram obtidas junto destas);
7 – Também é conhecido popularmente por Pato-bravo e é a espécie venatória mais conhecida, mas o estuário do Cávado constitui um santuário que lhes serve de abrigo longe das barulhentas espingardas. Igualmente no mar, entre as nossas praias e os recifes conhecidos por «Pena» ou «Cavalos de Ofir», costumam juntar-se bandos constituídos por muitas dezenas de indivíduos que descansam já para lá do reboliço da ondulação.


Anas clypeata (Pato-trombeteiro)








































1
– Pouco preocupante;
2 – Invernante;
3 – Pouco comum mas regular;
4 – Fácil, entre outros aspectos, tem o bico muito maior que qualquer um dos outros patos;
5 – Surge por todo o estuário desde a sua zona mais remota a norte, até àquele desvio do Cávado ao longo da zona urbana e agrícola de Fão;
6 – Alguns espécimes toleram a aproximação até menos de cinquenta metros, situação pouco habitual nos patos selvagens;
7 – Surgem no nosso estuário quase sempre formando casais (nunca mais do que dois).