domingo, 15 de fevereiro de 2009

ORNITOLOGIA (parte IV)

OBSERVAÇÃO DE AVES
Estuário do Cávado

Chegou o momento de falar novamente sobre a ordem das Garças e Afins (aves a que já dediquei algumas linhas deste blog em 26Abr08), que vão abundando no nosso estuário durante sucessivos Invernos ou o frequentam de modo regular ou esporadicamente durante outras épocas do ano nas suas migrações. Saliente-se neste conjunto de aves o considerável número de espécies de relevante valor ecológico.
Nota: - como grande parte das espécies que vou aqui apresentar constam no Anexo A-I da Directiva Aves, devo esclarecer previamente que naquela lista são identificadas as aves migratórias e de interesse comunitário (no território europeu) que justificaram a classificação de Zonas de Protecção Especial (ZPE) para os locais onde ocorrem. O nosso litoral, incluindo o estuário do Cávado, ainda que não lhe tenha sido atribuído aquele estatuto, é parte integrante de um Sítio da Rede Natura 2000 (oportunamente desenvolverei este assunto).


Ordem Ciconiiformes

Família Ardeidae
(seis espécies)


Ixobrychus minutus (Garça-pequena)
























1 – Vulnerável e consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Indivíduo isolado observado nas Primaveras de 1999 / 2001 / 2008;
3 – Ocasional;
4 – Fácil, ainda que haja uma remota possibilidade de ser confundido com o Papa-ratos;
5 – Ocorre esporadicamente no estuário mas demora-se mais em charcos ou planos de água não naturais onde surge camuflado pela vegetação abundante das margens – a sua presença apenas é denunciada caso se mova;
6 – Muito tímido, mas se porventura permitir a aproximação é provável que se mantenha completamente imóvel facilitando a tarefa de quem os pretenda fotografar;
7 – Ao verem um indivíduo desta espécie a fugir num voo curto até um ponto ainda próximo, não se surpreendam se, ao procurá-lo com todos os cuidados no preciso local onde o viram pousar, já não o encontrarem, pois numa das suas estratégias de fuga estas aves, em vez de voarem, correm por entre a densa vegetação.


Ardeola ralloides
(Papa-ratos)











































1 – Em perigo e consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Apenas se observou um indivíduo em 12Abril2008;
3 – Ocasional;
4 – Fácil, ainda que haja uma remota possibilidade de ser confundido com a Garça-pequena (pousada) ou a Garça-boieira (em voo);
5 – Na única ocorrência verificada, demorou-se na zona ribeirinha de Fão durante praticamente todo o dia em busca constante de alimento (pequenos crustáceos);
6 – Estranhamente, o indivíduo em causa manifestou-se indiferente à presença próxima de humanos, desenvolvendo a sua actividade em campo aberto sem se esquivar por entre vegetação disponível – consentiu aproximações inferiores a vinte metros;
7 – As imagens que apresento são simplesmente péssimas dadas as facilidades concedidas pela ave mas, com já referi em Abril, o mesmo indivíduo também foi fotografado pelo Carlos Palma Rios e pelo Fernando Eurico, cujos resultados estão estupendos.


Bubulcus ibis (Garça-boieira)





















































































1 – Pouco preocupante ;
2 – Invernante, ocorre entre Novembro e Março (em raros casos até Abril);
3 – Pouco comum, nos últimos anos tem ocorrido um bando constituído actualmente por cerca de 30 indivíduos e outros (poucos) grupos mais pequenos que frequentam zonas distintas do primeiro;
4 – Fácil, mas nos casos em que permanece pousada em descanso, presta-se a ser confundida com a Garça-branca-pequena (de pescoço bem mais comprido); ver também a espécie anterior;
5 – Frequenta principalmente os campos agrícolas de Gandra e da zona chamada por «Lagoa da Apúlia» onde se alimenta durante o dia e pernoita nas árvores da margem direita do Cávado;
6 – Com alguns cuidados toleram a nossa aproximação, aliás, chegam a perseguir os tractores dos agricultores enquanto lavram as terras; por tal, não é difícil conseguirem-se fotos com bons resultados; como é habitual encontrarem-se pequenos bandos nas beiras das estradas, a partir do interior de um automóvel a tarefa fica ainda mais facilitada;
7 – O número de indivíduos que surge na região está a aumentar francamente – a espécie aparenta estar a expandir-se de sul (onde é muito abundante) para norte (onde ainda é relativamente escassa).


Egretta garzetta (Garça-branca-pequena)
















































































1 – Pouco preocupante, mas consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Principalmente Invernante ocorrendo entre o final de Agosto e Março, porém não é de surpreender a observação de alguns indivíduos isolados ao longo de todo o ano;
3 – Comum;
4 – Fácil, mas nos casos em que permanece pousada em descanso e com o pescoço recolhido, presta-se a ser confundida com a Garça-boieira; em voo, um dos pormenores que a distinguem daquela espécie, são as suas patas de cor amarelo vivo contrastando com o negro das longas pernas;
5 – Pela alvura das penas torna-se bem visível a sua presença ao longo de todo o estuário por onde se alimenta a partir de uma posição imóvel como uma estátua; também pode ser observada em pequenos charcos temporários não naturais localizados em área florestais ou agrícolas ou ainda para montante no Cávado;
6 – Não é raro encontrarem-se indivíduos relativamente tolerantes à nossa aproximação até uns trinta metros que, pelo porte e hábitos da ave, são suficientes para se conseguirem boas fotos;
7 – Esta espécie é considerada gregária, contudo, os indivíduos que frequentam o nosso estuário costumam ser observados isolados ou simplesmente aos pares; nos últimos anos, vários dos indivíduos que se encontram dispersos durante o dia pelo Cávado, juntam-se ao entardecer e formam uma colónia mista (com Garças-boieiras) na margem direita onde pernoitam, pintalgando de branco a árvore que lhes serve de poiso, a fazer lembrar uma magnólia florida.


Ardea cinerea (Garça-real ou G-cinzenta)





















































































1 – Pouco preocupante ;
2 – Principalmente Invernante ocorrendo entre o final de Agosto e Março, porém não é de surpreender a observação de alguns indivíduos isolados ou em pequenos grupos ao longo de todo o ano;
3 – Comum e em maior número do que a espécie anterior;
4 – Fácil, apenas a Garça-imperial (apresentada a seguir) se pode assemelhar, mas a percepção dos tons das penas avermelhadas e mais escuras desta espécie ligeiramente mais pequena, logo fazem dissipar as dúvidas;
5 – Já se tornou muito familiar vê-las “patrulhar” as margens do Cávado numa atitude em tudo parecida com a G-branca-pequena e, apesar das cores mais discretas, é facilmente detectada por ser uma das aves de maior porte que por cá ocorrem; à noite, embora “invisível”, é habitual emitir uma vocalização rouca característica e muito sonora enquanto voa, ou nos descobre a partir do topo de uma árvore – por tal, percebemos com facilidade que se dispersa por todo o pinhal de Ofir até à Apúlia onde se abriga durante o período nocturno;
6 – Em alguns casos permite-nos chegar até aos 40 metros de distância, mantendo-se imóvel a descansar num ponto mais elevado e visível, o que resulta numa situação muito favorável para um “click” bem sucedido; também é usual sobrevoarem lentamente as nossas cabeças quase a desafiar-nos “vê se me apanhas”;
7 – Confesso que, ao contemplar demoradamente as poses e os gestos graciosos destas aves, tenho sempre a sensação de que os criadores das artes marciais orientais se inspiraram naqueles movimentos para desenvolverem muitos dos seus elegantes exercícios.


Ardea purpurea (Garça-imperial ou G-vermelha)




















1 – Em perigo e consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Desde do ano de 1998 têm ocorrido regularmente um ou dois indivíduos desta espécie que por cá permanecem normalmente entre os meses de Julho e Agosto;
3 – Nada a acrescentar;
4 – Fácil (ver o mesmo ponto da espécie anterior), mas já me sucedeu estar a observar uma G-real ao entardecer cujas penas reflectiam um certo tom avermelhado;
5 – O seu comportamento confunde-se com o da G-real mas frequenta zonas mais a montante do estuário, particularmente entre as duas pontes de Fão;
6 – Ainda que frequentem as margens próximas da zona urbana de Fão, manifestam-se sempre muito perturbadas com nossa presença; nos episódios, pouco desejáveis, em que as surpreendemos distraídas enquanto avançamos na sua direcção, logo lançam um salto como que tendo molas nas patas encetando a fuga imediata e, nestes breves instantes, já que o erro está cometido, podemos aproveitar para registarmos o momento (a evitar);
7 – Reparo com frequência que as duas aves observadas não recolhem completamente o delgado pescoço de encontro ao corpo enquanto voam, como o faz a G-real ou a G-branca-pequena.


Família Ciconiidae
(uma espécie)


Ciconia ciconia (Cegonha-branca)

























1 – Pouco preocupante, mas consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – A primeira vez que observei na região indivíduos desta espécie, corria o mês de Julho de 2001, tratou-se logo de um bando constituído por 14 aves que sobrevoavam a Ponte de Fão aos círculos e, desde então, com excepção de um episódio ocorrido em Outubro de 2005 (6 indivíduos), os avistamentos têm-se verificado sempre durante os meses de Fevereiro ou Março (até 8 espécimes), todavia estes nunca permanecem no nosso estuário ou nas zonas agrícolas contíguas; entretanto, apurei que nos últimos anos, durante a época estival, três adultos têm frequentado uma área agrícola relativamente próxima, onde dispõem de um ninho; durante este último Inverno, também três indivíduos ocorreram por várias ocasiões no nosso estuário e nos campos agrícolas de Gandra de onde, após se demorarem algumas horas aparentemente a alimentar-se, se dirigiam sempre na direcção do local onde existe o referido ninho – a partir daqui, não disponho de outros quaisquer dados ou indícios que me levem a concluir se estas aves são residentes, invernantes, estivais ou migradoras;
3 – Nada a referir;
4 – Fácil.
5 – Nada a acrescentar;
6 – Muito tolerante, além de que é comum encontrar estas aves no topo de postes por zonas urbanizadas ou pousadas no solo em campo aberto ao alcance visual de todos;
7 – Tudo leva a crer que esta espécie, muito abundante no sul do nosso País até à região de Aveiro, esteja em expansão para norte.
(Foto obtida nas traseiras da Solidal).


Família Threskiornithidae
(duas espécies)


Plegadis falcinellus (Íbis-preto ou Maçarico-preto)

1 – Regionalmente extinto, consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Ocorreu um indivíduo no estuário do Cávado no início de Dezembro de 1998 onde permaneceu até ao mês de Abril seguinte e, supostamente o mesmo, regressou no início de Novembro de 1999 até Março de 2000 e desde então jamais o avistei por cá;
3 – Ocasional;
4 – Fácil;
5 – Quando não se ocultava a descansar entre os juncos do sapal, o indivíduo em questão passava longas horas a alimentar-se nos lodaçais ricos em invertebrados que capturava “espetando” profundamente o longo bico curvilíneo através dos limos;
6 – Extremamente tímido, quando era surpreendido com a minha passagem, logo “disparava” num voo rápido para bem longe;
7 – A ocorrência daquele(s) indivíduo(s) constituiu de facto uma raridade - se não se tratasse de uma espécie inconfundível, não poderia acreditar no sucedido (ver no ponto 1 o estatuto) – mas reforça a veracidade dos meus apontamentos o facto de os vigilantes do ICNB também o(s) ter(em) avistado, aliado ainda ao registo de uma ave desta espécie na Barrinha de Esmoriz (zona húmida ligeiramente a sul Espinho) que coincidiu com os anos em que também por cá surgiu.


Platalea leucorodia (Colhereiro)






















































































1 – Quase ameaçado, consta no anexo A-I da Directiva Aves;
2 – Aparentemente migrador de passagem, ou seja, no período estival do ano de 1998 registei três ocorrências de um par, entretanto nesse Outono ainda avistei três indivíduos e volvido quase um ano o número de espécimes chegou a aumentar para quatro mas, desde então, tenho notado a presença de apenas um ou dois indivíduos que vão surgindo no Cávado de modo muito irregular, normalmente entre Setembro e Dezembro (ver ainda a anotação do ponto 7);
3 – Nada a acrescentar;
4 – Fácil, nenhuma ave possui um bico tão peculiar em forma de colher de pau; mesmo assim, pousada, a Garça-branca-pequena, visivelmente menor, ainda pode confundir-nos se estiver voltada de costas com o bico oculto; em voo e a distâncias consideráveis poderá ser confundido com a Cegonha-branca que também mantém o pescoço esticado, mas esta é maior, possui as extremidades das asas de um preto bem marcado e o ritmo de batimento daqueles membros é bastante mais calmo;
5 – Quando usufruem do estuário do Cávado para um ou dois breves dias de descanso, aproveitam também para se alimentarem nos lodaçais com águas pouco profundas, desde os mais inacessíveis para nós, em pleno sapal, até àquele em frente ao Cortinhal em Fão, parecendo que ceifa a água com movimentos ritmados do bico de um lado para o outro;
6 – Os indivíduos que frequentam a parte do estuário mais a jusante apenas permitem que nos abeiremos deles até uns 40 metros se formos muito cuidadosos (por curiosidade digo que com uma boa camuflagem já aconteceu que “quase me atropelavam”), contudo, a ave que ocasionalmente surge ao longo da marginal de Fão é tão tolerante que para o fotografar nem é preciso usar lentes com bom zoom;
7 – Precisamente este último caso, que corresponde ao indivíduo das fotografias que acompanham este texto e que em 2008 surgiu por cá estranhamente entre 31 de Janeiro e 2 de Fevereiro, como podem ver, ostenta na pata direita uma anilha amarela que, segundo informações de um biólogo que exerceu funções no PNLN, terá sido colocada na ave no Parque Nacional de Donhana no extremo sul de Espanha.