terça-feira, 23 de dezembro de 2008

CONTO DE UMA “ÁRVORE DE NATAL”

Já terão passado mais de dez Natais desde aquela manhã em que, ao preparar-me para mais uma jornada de observação de aves no nosso estuário, logo ali no início da “Recta de Ofir” junto à margem esquerda do Cávado, subitamente me deparei com a terna imagem de uma jovem mãe acompanhada pela filha que experimentava as primeiras emoções dos preparativos para o culto da Árvore de Natal. Num olhar mais atento reparei que a progenitora, munida de serrote afiado, avaliava inocentemente e sem o devido critério a forma e a dimensão daqueles pinheirinhos que nos habituamos a ver crescer ladeando o principal acesso à nossa praia.


Então, ao perceber que a senhora se aprontava para desferir o golpe fatal na conífera que tinha elegido para lhe adornar o lar, não consegui conter um impulso quase herético e numa interjeição que me saiu da alma travei os movimentos ritmados da dita serra cuja lâmina já feria quase irremediavelmente a nossa personagem principal. Naquele instante ensaiei o meu primeiro e atrapalhado discurso ambientalista que inesperadamente resultou (!!!), ou seja, a minha interlocutora prestou-se ao aborrecimento de ouvir os meus fundamentos e seguiu a sugestão para que concluísse o corte da árvore, acima de dois ramos que, já bem robustos junto à base do tronco, foram poupados.



Em consequência deste “pequeno pormenor”, passo a redundância da expressão, aquela menina teve de igual modo um Natal devidamente decorado e manteve-se todo o potencial para a árvore, embora amputada, se desenvolver e contribuir para a harmonia daquele conjunto arbóreo – um dos mais belos postais deste “torrãozinho sem igual”. E, confesso, a partir daquele momento cultivei uma relação quase afectuosa com aquele pinheirinho que, no meu íntimo, comecei a chamar de “A Minha Árvore de Natal” e para a qual nunca mais deixei de olhar atentamente sempre que por ali passava, contemplando cada centímetro do seu crescimento. E sei que felizmente esta sensibilidade não me é exclusiva. Basta reparar nos briosos cuidados que a nossa autarquia e o Parque Natural dedicam àquele espaço que têm mantido arborizado “contra ventos e marés” (que é como quem diz, contra as cheias do Cávado e as habituais nortadas).


Contra ventos e marés … mas não contra … o egoísmo. Desculpem-me o palavrão, mas não encontro outro termo para adjectivar o cavalheiro que tem tido o descaramento de ano após ano, árvore após árvore, as decepar obviamente com o único propósito de desobstruir a panorâmica que julga ter “comprado” para seu exclusivo usufruto no momento em que adquiriu o luxuoso apartamento de amplas janelas voltadas para o Cávado espraiado.








Nem só de fortificações, castros, templos religiosos e outras edificações históricas se faz a memória colectiva de um povo. Tal como quando um qualquer pseudo-graffiter borra a superfície de um monumento o apelidamos de vândalo, importa indignarmo-nos com estes atentados contra o bem-comum que é o património natural que aprendemos a estimar e ao qual atribuímos múltiplos simbolismos e nos afeiçoámos desde as primeiras “aventuras” de infância.






VOTOS DE UM NATAL EM PAZ E UM ANO NOVO PLENO DE SAÚDE