quarta-feira, 26 de novembro de 2008

OS PASSARINHEIROS

(breve pausa no tema: Micologia)


Estou certo que não vão discordar de mim se disser que há episódios ocorridos na nossa infância cuja memória teima em persistir e as emoções então vividas, por mais que o tempo passe, permanecem como se aquelas experiências fossem sempre muito recentes. E digo isto, não porque acabei de comemorar mais um aniversário e, agora sim, isso já começa a não ter muita piada, mas antes porque todos os anos precisamente nesta época (Outubro e Novembro), um pouco por todo o lado, nós os amantes de uns bons passeios ao ar livre “tropeçamos” frequentemente nuns furtivos senhores que, já fazendo uso das novas tecnologias, instalam um pouco por tudo o que são espaços naturais as suas estridentes colunas de som ligadas a uns MP3 (ou lá o que aquilo é) a emitirem num volume completamente desproporcional o canto melodioso próprio dos pássaros da família dos Fringilídeos (Tentilhões, Chamarizes, Verdilhões, Pintassilgos, Pintarroxos, Lugres, Bicos-grossudos, etc…) com a única intenção de atraírem aquelas aves para uns artifícios que servem de armadilha onde esperam que o seu alvo fique aprisionado: - estou a falar, obviamente, dos “passarinheiros”.

(Sei que este não será o meio tipicamente mais eficaz de me dirigir a quem se dedica a esta “actividade”, mas se esta minha reflexão chegar a apenas um só dos seus praticantes já darei por bem empregues estas palavras.)

Como me preparava para dizer, jamais esquecerei o extasiante sentimento de recompensa que pude atestar quando um “amiguinho” de escola me desafiou a ir-mos para a zona envolvente à chamada «Lagoa da Apúlia» capturar Bicos-de-lacre (espécie exótica que se presta bem como ave de gaiola) e um destes espécimes ficou aprisionado na rede que astuciosamente tínhamos armado. Sensação semelhante só se repetia quando, uma dúzia de anos mais tarde, nos tempos que passei por Leiria, aceitava o convite de outro amigo que, de modo amador, se dedicava ao estudo das aves da sua região e íamos anilhar uns espécimes silvestres lá para os lados dos «Campos do Liz».

Julgo que não é difícil entender que, em ambos os casos, o preciso momento da captura dos animais tinha o mesmo significado que a obtenção de um valioso prémio. Porem, no meu caso em particular, o insuportável sentimento de culpa que se seguia àqueles breves instantes de entusiasmo era verdadeiramente desanimador. Na primeira situação, não conseguia justificar ao meu perturbado ego a não libertação da ave e a sua manutenção em cativeiro e, na segunda, perdurava a dúvida sobre a razoabilidade dos fins ou dos próprios métodos usados que poderiam estar a submeter o animal a um episódio de stress excessivo.

Meia dúzia de anos depois, quando finalmente desvendei esta minha “endógena costela verde”, comecei a aplicar-me com (desaconselhada) paixão à ornitologia no Estuário do Cávado. Então, enquanto inventariava um extensa lista de espécies de aves, fui fazendo uso da minha primeira lente zoom e a “capturar” as primitivas imagens da avifauna indígena com o objectivo de documentar as minhas “descobertas”. Fiquei de imediato fascinado com a analogia de sentimentos despertados por esta actividade (1) e os que experimentei naqueles iniciais actos mais predatórios, mas com a vantagem de, agora, não sujeitar as aves a qualquer tipo de sofrimento ou causar qualquer efeito nefasto nas suas populações.

Assim, independentemente de ser ou não favorável à legislação que proíbe a captura de espécimes da nossa fauna silvestre para fins ornamentais e sem me alongar em delicados conceitos éticos, cumpre-me deixar aqui uma sugestão dirigida aos “meus amigos passarinheiros”, partindo do princípio de que apreciam a beleza das aves, são pessoas perseverantes, disponíveis a manterem-se escondidos sob a vegetação durante largos períodos de tempo e, como já referi, estão dispostos a investir em novas tecnologias: - por pouco mais de 300 Euros conseguem adquirir uma máquina fotográfica equivalente à que utilizei para obter as imagens que ilustram este texto; com esse aparelho conseguem “apanhar” muito mais do que Pintassilgos – o território nacional em geral e a orla do estuário do Cávado em particular alberga uma impressionante diversidade avifaunística; não ficam limitados a exercer a actividade durante apenas dois meses no ano; também levam aves para casa (em forma de fotografia), mantendo os “originais” na Natureza onde os seus cantos permanecem mais melodiosos e sempre disponíveis para outras pessoas igualmente os ouvirem e contemplarem; dessa forma contribuem para o aumento do potencial reprodutor nos anos seguintes e consequente preservação das espécies; o gozo proporcionado é muito semelhante – EXPERIMENTEM.



Em jeito de desafio deixo-vos, por fim, com uns singelos exemplos de imagens de 5 (cinco) das 7 (sete) espécies de Frigilídeos (família Fringillidae) que poderemos obter neste nosso “quintal” no decurso das quatro estações do ano e sem grandes meios (e, no meu caso particular, sem grande habilidade). E isto, também como forma de introdução ao tema que vou desenvolver de modo mais aprofundado a partir do início do próximo ano: a observação de aves do nosso litoral.



Chamariz (Serinus serinus)









































Pintarroxo (Carduelis cannabina)









































Pintassilgo (Carduelis carduelis)
























Tentilhão (Fringilla coelebs)











































Verdilhão (Carduelis chloris)


























(1)
Também chamada de “Caça Fotográfica” ou “Fotografia da Natureza” e sobre a qual já desenvolvi algumas considerações sobre o respectivo código de conduta no post «Nidificação (parte V)» que publiquei em 25 de Julho.

NOTA: Todas as fotos foram obtidas em simples passeios ou visitas de campo pelos espaços naturais da nossa terra. Devo salientar apenas que o Pintassilgo foi fotografado a partir do interior do meu automóvel num momento em que a ave, não se apercebendo da minha presença (situação habitual naquelas circunstâncias), posou muito próximo da minha lente (portanto, entre a máquina fotográfica e o motivo ainda estava o vidro pára-brisas que prejudicou um pouco o resultado).