quarta-feira, 12 de novembro de 2008

MICOLOGIA (parte V)

Colheita de Cogumelos Silvestres
Aqui vou afastar-me um pouco dos conteúdos teóricos que obtive através da consulta à vasta colecção bibliográfica sobre micologia que enchem as prateleiras lá de casa e que oportunamente aqui indicarei para ser justo face às minhas fontes de informação. Vou, então, seguir o exemplo de Natalina Azevedo, autora de um daqueles livros, que nos narra na respectiva introdução uma das suas jornadas na floresta. Limitar-me-ei, portanto, a contar uma experiência num daqueles dias de Outono em que me dedico à «apanha das iguarias da terra».

Só por curiosidade refiro que, à semelhança de alguns portugueses e um elevadíssimo número de espanhóis, franceses, italianos, etc… todos os anos gozo parte significativa das minhas férias nesta época. Era nesta altura do ano que habitualmente se alojavam num hotel da nossa terra (onde trabalhei há cerca de 20 anos) uns clientes estrangeiros que calcorreavam o dia todo o Pinhal de Ofir e, após o regresso, estendiam nas varandas umas “coisas amarelas e alaranjadas” para secar – hoje sei que eram Cantarelos, cogumelos aromáticos que se prestam bem àquela forma de conservação e que, só pela pronunciação do nome, já as minhas papilas gustativas se estimulam.


«É aliciante. Desperto bem cedo com anormal facilidade e a visão de um termómetro que treme encolhido não é capaz de me desanimar. Hoje espera-me uma festa dos sentidos. Visto uma roupa mais quentinha que me proteja também da humidade, calço umas botas de borracha, navalha, cesto de vime, a omnipresente máquina fotográfica e uns guias da natureza na mochila (sempre me pode surgir no caminho flora ou fauna selvagem desconhecida) e – dou início à “expedição”.

Sei que dificilmente encontrarei flores nas matas que vou visitar, mas isso não será sinónimo de uma experiência pouco colorida. Mal ponho os pés nos musgos húmidos e reluzentes, logo se anunciam os primeiros cogumelos silvestres com cores que parecem querer saltar do verde predominante. A partir daí, aproveitando a tranquilidade por estar a sós com a Mãe Natureza ou então na privilegiante companhia de um bom amigo destas lides, dedico-me a sentir o imenso prazer da descoberta. Se não for Quinta-feira ou Domingo (dia de outras práticas venatórias) é certo que um pisco, um chapim ou um melro me venham fazer companhia e emprestar um pouco de música de fundo à caminhada. Surge então um cogumelo que me aguça o interesse, tenho quase a certeza de que é comestível, logo, para mim é o mais tóxico dos fungos, mas retive-me a contemplar os vermelhos intensos e brilhantes como geleia do seu chapéu e a alvura das lâminas e do pé. Não resisti e “fiz-lhe uma macro”, vai comigo para casa, mas na forma de fotografia, era uma Rússula. E sigo destino, o ano passado descobri noutro pinhal mais adiante alguns Boletos, vou lá espreitar cheio de esperança mas, surpresa, nunca tinha visto por ali tantos Tricolomas com as suas lâminas amarelas já bem expostas, concerteza já lançaram os seus esporos (o equivalente às sementes nas plantas). Decido levar alguns e deixar ficar os mais novos que mal furaram o solo arenoso. Aponto-lhes a lâmina da navalha e, sem os puxar, corto-os pelo pé – quero que para o ano cá estejam outra vez. Já começo a imaginar o luxuoso jantar... “estufadinhos”! Logo se verá, ainda não sei o que me espera e isso enche-me de entusiasmo. Como os quero bem conservados, coloco-os num cesto em vime bem arejado, assim ainda acabo por “semear” alguns cogumelos. Surge-me então um Amanita phalloides, o mais mortal dos fungos e que tem algumas semelhanças com os amarelos que já trago no cesto. Paro… e contorno com um olhar mais atento o majestoso cenário à minha volta. É natural que sob os meus pés se desenvolva o micélio daquele “fruto”, mas o que realmente me prende a atenção é o aspecto robusto e saudável daqueles pinheiros. Está confirmado, já estabeleceram micorrizas. Agora arrependo-me de não ter posto os binóculos na mochila, depois do ruidoso alerta dos curiosos Gaios, avisto umas aves de rapina a pairarem sobre a copa das árvores e daqui não as
consigo identificar mas, pela imponência, devem ser os Búteos do costume que me espreitam vigilantes. Bem... e que tal se “estalasse estes no alho” como entrada ao manjar e fizesse uns “peitos de frango recheados com Lactários”... ali à frente costumavam aparecer alguns. Avanço e… confirmou-se... recolho os suficientes para o número de comensais… mas... como pode ser possível? Já passaram três horas! Tenho de voltar para casa onde ainda me espera algum trabalho. Tenho que limpar isto tudo e… detenho-me a contemplar o resultado da “apanha”… tem graça, o cesto até parece a paleta de um pintor... tantas cores!


E ponho-me ao caminho. Regresso inebriado com uma ligeira sensação de que fui a um supermercado com parque de diversões incluído
».