domingo, 25 de maio de 2008

Insignificante?




Nestas “coisas” da defesa do ambiente ou da natureza não é raro encontrar quem argumente ou pense que, para se cumprir com todas as obrigações legais entretanto instituídas no sentido da salvaguarda dos valores da ecologia, são necessários gastos avultados de recursos e dinheiro que poderiam muito bem ser dispensados e que, além disso, a protecção dos habitats e espécies da fauna e flora silvestres constitui um “fardo” muito pesado que impede o normal desenvolvimento do progresso.

Neste vulgar raciocínio surgem logo três equívocos que convém contrariar.

Gostaria, então, que me acompanhassem na apresentação de um exemplo muito singelo que recentemente encontrei na minha terra e que de alguma forma simboliza aquilo que poderemos fazer pela manutenção de uma natureza sã, por mais insignificante que isso nos possa parecer. (Aliás, na história da tartaruga que contei há uns dias, também o mero esquecimento de um pequeno saco plástico na via pública parecia um acto inofensivo.)

Para tornar isto menos pesado (mas não se esqueçam de regressar), peço-vos para fazerem uma visita ao blog http://www.faodesempre.blogspot.com/ e contemplem aquele belo e aturado trabalho, um autêntico “filme” que tão bem documenta a elaboração da magnífica obra de arte que é o Tapete de Flores Naturais referente à última Procissão do Senhor Bom Jesus de Fão. Depois de usufruírem, concentrem a atenção nas duas imagens obtidas nos extremos da Rua Amorim Campos (da antiga Escola Primária) – a representação de duas grandes flores unidas por um extenso tapete em dois tons de amarelo sobre um fundo verde – delicioso. Fundamentalmente os materiais usados naquela composição (tão equilibrada) foram folhas de cedro, gerberas amarelas e flores de Chorão-das-praias (Carpobrotus edulis).

E é aqui que foco a atenção.

Depois de naquele Domingo de Maio, à semelhança de muitos outros mirones, ter percorrido uma parte considerável das ruas de Fão embriagado pela beleza de cenários fruto da genialidade dos meus conterrâneos, retive-me na artéria da escola, onde comecei a aprender a ler e escrever e a fazer os meus primeiros raciocínios lógicos, não por motivos puramente estéticos mas por esta coisa que absorve uma boa parte dos meus pensamentos – a ecologia – e procurei saber mais sobre aquele trabalho em particular. Não resisti à curiosidade e fui falar com alguns dos responsáveis (familiares e antigos vizinhos) a quem pedi que me falassem sobre aquele acto de criação. Então, fiquei a saber que o salutar brio ou vaidade fangueira, que conduz uns a querer fazer melhor que os próximos e estes que os seguintes, levou a que naquela rua decidissem gastar algum dinheiro na compra de flores ornamentais (as tais gerberas) mas, como 300 Euros não chegavam sequer para preencher uma terça parte da obra, tiveram que usar uma manobra de recurso – colher os tais Chorões-das-praias.

Ideia prodigiosa.

Conforme os cálculos que apreendi a fazer naquela escola, com esta solução estes fangueiros pouparam mais de 600 Euros, mantiveram (ou melhoraram) as qualidades cénicas da obra e, principalmente, contribuíram para o combate à proliferação de uma espécie exótica invasora que tanto tem depauperado a biodiversidade dos nossos sistemas dunares.

Convém aqui aplicar um parêntesis e fazer uma breve apresentação sobre esta tão bela quanto nefasta espécie da flora não autóctone (de ocorrência não natural desta região). Em tempos passados o Chorão-das-praias (originário da África do Sul) foi introduzido intencionalmente no nosso País com o objectivo de fixar as areias das dunas. Desde então, “silenciosamente”, tem ocupado de forma homogénea muito dos ecossistemas onde deveria desenvolver-se a riquíssima diversidade florística nativa que tão bem desempenha aquela função. Na linguagem de um agricultor – tornou-se numa praga. Não ocorrendo aí as comunidades vegetais originárias, também toda a fauna é afectada pelo risco de perda dos seus habitats – as proporções deste processo no litoral de Esposende tornaram-se absolutamente alarmantes – urge implementar medidas que contrariem o fenómeno e a remoção destas plantas é seguramente uma delas.

Como vêem então, é possível ser “amigo do ambiente” e, em simultâneo, obter benefícios económicos com essa acção.

Isto constitui, como já disse, apenas um simples exemplo de uma realidade cada vez mais evidente: – todos os actos do nosso quotidiano têm de ser coincidentes com os conceitos de sustentabilidade na exploração de recursos ou no usufruto do planeta, com isto lucramos sempre, quer seja através de resultados mais óbvios e imediatos ou através de algo com um alcance mais abrangente e isso nem sequer é uma questão de opção.