quarta-feira, 27 de outubro de 2010

OBSERVAÇÃO DE AVES (SETEMBRO 2010) (3ª. de 3 partes)

Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes

A época das migrações pós-nupciais que ocorre desde Agosto até Novembro, mas sobretudo em Setembro e Outubro, representa sempre um grande desafio à nossa perícia enquanto ornitólogos amadores. Factores como a grande semelhança entre várias das espécies em passagem, ou mesmo entre estas e as residentes, e ainda o facto de grande parte das aves surgirem com plumagens de juvenis ou de Inverno, dificultam, quando não impedem, a identificação dos muitos indivíduos que se abrigam e restabelecem forças nesta zona húmida. A somar a isto, a vasta profusão de aves que então surgem e constantemente se alternam, também condiciona a atenção que nos é exigida quando pretendemos confirmar a ocorrência de uma espécie em concreto e que ainda não esteja inscrita nas nossas listas.

Apesar de tudo, a chegada de novas ferramentas úteis para o desenvolvimento desta actividade, como a possibilidade de um registo fotográfico com mínimos de qualidade das aves detectadas, ou até o uso de meios áudio para atestar a espécie que responde a um determinado chamamento pré-gravado, veio prestar-nos um auxílio decisivo na difícil tarefa de inventariação da avifauna.

E foi precisamente através do uso prudente e responsável destes métodos, que tanta eficácia demonstraram, conjugados com uma maior disponibilidade para estudar com a devida atenção algumas espécies que me interessavam, em particular aquelas cuja ocorrência nesta região é assegurada pela bibliografia de que disponho, que foi possível em Setembro último acrescentar quatro novas espécies selvagens ao vasto rol das que já identifiquei neste estuário:
 
ORDEM PASSERIFORMES

 
Família Hirundinidae

 
Andorinha-das-barreiras (Riparia riparia)



















































































Desde a recente publicação do novo Atlas das Aves Nidificantes em Portugal, no qual é indicado todo o litoral desde o Minho ao Alentejo como área de reprodução confirmada desta espécie, intriga-me o facto de nunca ter verificado a sua ocorrência nesta faixa costeira. Há já vários anos, descobri entre o rio Cávado e o Lima uma colónia destas aves estivais, também classificadas pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) como migradoras de passagem abundantes. A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) atribuiu-lhe o estatuto de conservação de «Pouco preocupante» e a espécie surge referenciada no anexo I da caracterização biológica do Parque Natural Litoral Norte (PNLN).

Num simples passeio pela zona ribeirinha, em particular desde finais de Agosto, é frequente verem-se nas manhãs mais quentes centenas de “andorinhas” a rasarem as águas fluviais à cata de insectos. Entre indivíduos adultos de Andorinhas-dos-beirais e de Andorinhas-das-chaminés, que facilmente se identificam, surgem muitos juvenis com plumagem simplesmente preta e branca com tons acinzentados que se prestam a confusão com as Andorinhas-das-barreiras. Dado que nas circunstâncias habituais estas ágeis voadoras não cessam de esvoaçar em movimentos extremamente velozes, irregulares e com constantes mudanças de direcção bruscas, ainda não me tinha sido possível atestar com toda a segurança a passagem destas aves sobre o Cávado.

Assim, numa manhã cinzenta de finais de Setembro, incentivado por vários aficionados da fotografia da natureza que conseguiam atrair com sucesso estas e outras espécies para os poleiros estrategicamente colocados em frente ao concorrido “abrigo” instalado na margem esquerda em Fão, lá consegui “convencer” um bando gigantesco destas aves a posarem imóveis perante a minha lente e, com o movimento “congelado”, comprovar a sua presença na área em estudo.


Família Sylviidae


Rouxinol-bravo (Cettia cetti)




 
















Esta é mais uma ave apontada por toda a literatura dedicada ao tema, nomeadamente pelas publicações da SPEA, como residente abundante de norte a sul do país e que estranhamente ainda não tinha incluído na minha lista da avifauna local. Com um estado de conservação «Pouco preocupante» (UICN), também consta como presente no PNLN na respectiva caracterização biológica.

O complicado acesso ao meio arbustivo denso na proximidade de linhas de água onde habitam e o seu comportamento tipicamente esquivo, torna-a numa das aves mais difíceis de localizar visualmente. A possibilidade de ser confundido com outras felosas e rouxinóis, entre os quais o que a seguir apresento, também não me tinha permitido confirmar a sua ocorrência no litoral norte. Os muitos registos, desde há vários anos, do vislumbre de pequenas aves em tudo semelhantes a estas, aos quais juntei a obtenção de várias fotografias (de qualidade desastrosa) não revelavam, ainda assim, todas as características necessárias para uma identificação segura. E até o aspecto mais distintivo desta espécie, ou seja, a sua vocalização bem sonora, tantas vezes emitida à nossa aproximação, não me permitiu o seu reconhecimento, em virtude de – confesso – simplesmente confundir aquele canto com o da Carriça.

O derrube, a 26 de Setembro, de uma extensa linha de silvados na zona nascente do estuário onde aflui a poluída “Ribeira do Couto”, pôs a descoberto parte considerável do habitat desta espécie, tornando possível a observação mais atenta de alguns indivíduos. Desde então, com o quase indispensável recurso à reprodução de sons gravados, acabei por perceber que, de facto, são vários os espécimes que ocupam aquela faixa da margem esquerda do Cávado e jamais deixarei de saber decifrar os seus belos cânticos e sons de alarme. Através destes, ainda foi possível verificar que o Rouxinol-bravo visita com regularidade a área recentemente intervencionada pela «Associação Assobio», mostrando uma vocação natural para catar pequenos insectos nas pilhas de galhos secos das acácias abatidas.


Rouxinol-pequeno-dos-caniços (Acrocephalus scirpaceus)






Na lista de Valoração Ecológica das Espécies presentes no PNLN, esta é uma das aves que surgem destacadas. Apesar disso, por serem várias as felosas e rouxinóis com as quais se assemelham (ver acima) e por, efectivamente, não ser uma ave numerosa na nossa região, a sua ocorrência neste estuário ainda não estava por mim confirmada.

Quase confinado à faixa costeira continental, e embora a SPEA o classifique de estival e migrador de passagem abundante, a UICN atribuiu-lhe o estatuto de conservação de «Quase ameaçado».

A sua localização em meados de Setembro, a “dois palmos” do plano de água na margem direita do Cávado, entre funchos e silvas junto à veiga agrícola de Gandra, deveu-se a um mero mas feliz acaso. Após ter montado abrigo para fotografar os habituais Papa-amoras e Felosas-musicais, verifiquei que os chamamentos que lhes dirigia despertavam a curiosidade dos Rouxinóis-pequenos-dos-caniços que, sempre tímidos, ali se mantiveram por vários dias e ainda me permitiram registos fotográficos que ajudaram ao difícil mas seguro diagnóstico da espécie.

Os poucos dados até agora obtidos, associados ao seu alto valor ecológico, justifica uma maior atenção à passagem destas aves nas próximas migrações.
 

Felosa-das-figueiras
(Sylvia borin)




Neste grupo de quatro aves agora indicadas, esta é a única espécie não referenciada no Anexo I da caracterização biológica para o PNLN. Este facto, acrescido da circunstância da UICN a considerar uma espécie «Vulnerável», não me fazia prever a sua ocorrência neste estuário.

Entre os vários géneros das felosas ou das toutinegras (Família Sylviidae), são muitas as espécies com características de tal modo semelhantes que nem mesmo com a ave na mão as conseguimos distinguir sem auxílio de um experimentado especialista. Assim, tendo em conta que Setembro é o mês mais interessante para encontrar a maior variedade de aves desta família, procurei obter o máximo número possível de fotografias destes pequenos passeriformes. Entre imagens das estivais Felosas-poliglotas, que por cá ainda se mantinham, das migradoras de passagem Felosas-musicais, das invernantes Felosas-comuns, que chegavam, e de outras do Género Sylvia (toutinegras), como a Toutinegra-de-cabeça-preta, a Toutinegra-de-barrete-preto e o Papa-amoras, foi analisada a foto do silvídeo que acompanha estas palavras, obtida no denso silvado junto aos campos das Pedreiras voltados para a margem esquerda do Cávado.

Apesar dos atributos fotográficos não serem gabáveis, tive a felicidade da ave se ter aproximado sem grandes reservas, o suficiente para que não me restassem dúvidas sobre a espécie em causa que, embora tenha a palavra “felosa” no nome vernáculo, se trata efectivamente de uma “toutinegra”.

Estas Felosas-das-figueiras, classificadas pela SPEA de estivais raras e de migradoras de passagem muito abundantes, ainda me puseram a fazer questões sobre a origem da segunda parte do nome, pois, em vez de figos, foram vistas durante os últimos dias de Setembro penduradas em cachos de amoras.





Concluo, assim, o primeiro ciclo de doze meses a apresentar em resumos descritivos os resultados da minha actividade de observação de aves no estuário do Cávado. Julgo ter prestado, de acordo com a minha intenção, um pequeno contributo para que, a partir da minha perspectiva, quem aqui me acompanhou durante este período, tenha ficado com uma noção aproximada da caracterização desta interessante região em termos ornitológicos. Por tal, no mesmo sentido e de ora em diante, no primeiro post de cada mês continuarei a enunciar as espécies de aves registadas no mês anterior, substituindo, no entanto, o formato adoptado até aqui pelo modelo ainda mais sintético de lista anotada e ilustrada.


JÁ A SEGUIR E COM MAIS NOVIDADES.