Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes
Desde há já longa data decidi limitar ou condicionar as minhas visitas mais atentas às zonas ribeirinhas e litorais durante o estio, sobretudo em Agosto, por ser o mês em que a pressão exercida pela forte presença humana maior perturbação causa nas comunidades faunísticas costeiras. Assim, enquanto o grosseiro incumprimento das mais elementares regras de conduta em áreas protegidas nos reduz as possibilidades de observação da avifauna local, limito a prática desta actividade para as fases do dia menos sujeitas àquelas ameaças, em particular ao amanhecer ou no período nocturno, e oriento a atenção para habitats mais afastados mas com relativa influência do estuário.
Embora este mês não seja, mesmo por causas naturais, o mais favorável para avistar aves em variedade e quantidade, restam, mesmo assim, alguns motivos de interesse para os ornitólogos amadores. Aos coros incessantes dos noitibós e das corujas já referidas em Julho, veio juntar-se o inequívoco piar repetido de um Mocho-galego (Athene noctua) que partilhou com as Corujas-das-torres (Tyto alba) os roedores que abundam no juncal que se prolonga em frente à zona urbana de Fão, pelos campos de cultivo das Pedreiras e até próximo do Jardim do Cortinhal.
Por aqui, durante o amanhecer, o exuberante colorido de algumas das espécies fazia-nos parecer que estávamos num qualquer país exótico. As características vocalizações dos Pica-paus-malhados-grandes (Dendrocopos major), vindas das matas circundantes, serviam de pontuais despertadores naturais. Um Peto-verde (Picus viridis), à semelhança de anos anteriores, mostrou-se muito interessado no que lhes proporcionavam as terras humedecidas pelo sistema de rega dos relvados da zona ribeirinha de Fão, nem que para tal se sujeitasse a uns bons banhos. Mais cautelosas as Poupas (Upupa epops) preferiram catar o pequeno-almoço nas ervas altas dos prados salgados e os (muito procurados) Guarda-rios (Alcedo atthis) não se demoravam a experimentar os poleiros recém-colocados sobre um plano de água.
No “reino” das limícolas este mês mostrou-se algo atípico. É que espécies como os Pilritos-d’areia (Calidris alba), os Pilritos-comuns (Calidris alpina), alguns Pernas-vermelhas (Tringa totanus) e Pernas-verdes (Tringa nebularia), os Maçaricos-das-rochas (Actitis hypoleucos), as Rolas-do-mar (Arenaria interpress), os Maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa) e mesmo os Maçaricos-galegos (Numenius phaeopus), começaram a chegar em números consideráveis logo nos primeiros dias de Agosto.
As mais raras Seixoeiras (Calidris canutus) também quiseram aparecer antes de Setembro que é o mês em que mais são esperadas.
E até os Combatentes (Philomachus pugnax), que aproveitaram a boleia destes madrugadores migradores de passagem, se juntaram no festim que o Cávado lhes oferecia.
Em sincronia iniciou-se a “invasão” dos Corvos-marinhos-de-faces-branca (Phalacrocorax carbo) e na altura da partida da Garça-imperial (Adea purpurea), que este ano ficou mais alguns dias entre nós, logo se deu a sua substituição pelas Garças-reais (Ardea cinerea), em grandes bandos, e pelas Garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta) que chegavam numa cadência mais moderada.
Entre os anatídeos ferais ou exóticos ficou registada a chegada de companhia para o Cisne-mudo (Gygnus olor) “atracado” há muito nos cais de Fão. Num primeiro momento verificou-se a aproximação do Pato-ferrugíneo (Tadorna ferruginea) que há já algum tempo ocupava as águas mais perto da foz;
e depois foi aparição de um suposto híbrido de Piadeira-do-chile (Anas sibilatrix) X Piadeira-americana (Anas americana) que veio baralhar as convicções do crescente número de fotógrafos das aves.
Nas praias marítimas só os mais distraídos é que não perceberam a faina agitada dos muitos Garajaus-comuns (Sterna sandvicensis), de uma ou outra Andorinha-do-mar-anã (Sterna albifrons) e até de algumas Andorinhas-do-mar-comuns (Sterna hirundo) que tiveram a curiosidade de vir espreitar o meio fluvial entre o sapal.
Aqui, onde por pouco não pisei uma imprudente Codorniz (Coturnix coturnix), também foi possível confirmar a permanência de juvenis de Galinha-d’água (Gallinula chloropus), agora com um porte mais robusto e bem mais cautelosos.
As rapinas do costume continuaram a “rasgar” os céus do estuário. Em sentido contrário às Águias-de-asa-redonda (Buteo buteo), agora muito recolhidas no sossego proporcionado pelas manchas florestais em redor, o Gavião (Accipiter nisus) mostrou-se bem mais activo, aliás, bem mais activos, pois as suas visitas eram intercaladas entre uma fêmea e um macho. Esta constatação animou a minha esperança de que esta espécie poderá estar a reproduzir-se na nossa região. (Aqui fica uma foto do provável “papá”, obtida com a ave a 4 ou 5 metros de distância da 500 mm mas com um vidro pára-brisas pelo meio).
Igualmente num frenesim andaram os passeriformes. Os juvenis dos ruidosos Gaios (Garrulus glandarius) continuavam a implorar por alimento junto dos progenitores, agora bem mais empenhados em fazer a “canhalha” dispersar. Ainda no pinhal, também as Escrevedeiras-de-garganta-preta (Emberiza cirlus) estavam mais preocupadas em ensinar à prole os melhores métodos para obter comida do que em sustentá-la. A chegada inesperada dos Papa-moscas-pretos (Ficedula hypoleuca) logo nos primeiros dias do mês não deixou de constituir alguma surpresa e o registo de vários Papa-amoras (Sylvia communis) entre os labirintos dos silvados ribeirinhos veio apontar que as aves se antecipavam nalgumas semanas na sua rota para sul, sugestão que foi corroborada pelo grande aumento do número de Felosas-poliglotas (Hippolais polyglotta) que se juntaram às que por cá se reproduziram.
E O MUITO ANSIADO MÊS DE SETEMBRO AINDA ESTAVA PARA CHEGAR!!!