Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes
Julgo ser óbvio que os textos apresentados nesta primeira rubrica mensal não devem, em rigor, ser interpretados como um inventário exaustivo de todas as espécies observadas na região ao longo do respectivo mês. Aliás, o registo de muitas das ocorrências, sobretudo o das aves residentes e mais vulgares, nem sequer é sempre aqui alvo de referência, no entanto, como desde Novembro último, altura em que publiquei o primeiro “resumo”, tenho conseguido dedicar largas horas a esta actividade, as listas até agora enunciadas ainda podem, de certa forma, ser lidas como uma “amostragem” dos indivíduos ou das populações de aves que por cá passaram ou se mantiveram durante cada um daqueles períodos.
Anualmente, depois de Maio e até chegue Setembro, o estuário do Cávado passa por uma fase de grande acalmia em termos avifaunísticos e o apelo para cumprir com as visitas de campo de rotina diminui significativamente. Nesta altura do ano, em que a fauna ribeirinha fica mais vulnerável face à maior perturbação humana, é frequente manter-me mais afastado das margens do rio e os meus apontamentos ficam resumidos a pouco mais do que alguns registos pontuais nas matas envolventes, pelo que, assim, a curta lista que se segue não deve tão-pouco ser considerada como mera amostra.
Conforme deixei antever no último mês, as protagonistas nos meses mais quentes, ressalvando os magotes de Andorinhas-das-chaminés (Hirundo rustica) e de Andorinhões-pretos (Apus apus), costumam ser as aves de hábitos crepusculares ou nocturnos. Entre estas, tanto nas zonas de influência agrícola junto ao estuário como no pinhal que se estende desde Fão até ao Caniçal da Apúlia, foram particularmente notadas as Corujas-das-torres (Tyto alba) e principalmente os misteriosos Noitibós (Caprimulgus europaeus) (1).
Na orla desta mata as madrugadas tornaram-se ainda mais encantadoras pela acção dos cânticos prolongados de alguns Tordos-músicos (Turdus philomelos) isolados, com os quais também me demorei a apreciar as suas aptidões especiais para tirarem os nutritivos caracóis de dentro da casca. Igualmente curiosas com tais habilidades estiveram as Escrevedeiras-de-garganta-preta (Emberiza cirlus) cujas crias, insaciáveis, não deram descanso aos progenitores.
Nas poucas e breves escapadinhas até ao rio, foi possível verificar que entre os juncos, onde as coloridas Alvéolas-amarelas (Motacilla flava) se balançavam com perícia, ainda se refugiaram algumas Garças-reais (Ardea cinerea) sempre atentas às ameaçadoras passagens da fêmea de Tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus). Por aqui, os loureiros e salgueiros das galerias ripícolas foram colonizados por vários passeriformes tais como este zeloso casal de Toutinegras-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla).
Enquanto isso, nas margens mais resguardadas os Patos-reais (Anas platyrhynchos) continuaram a reproduzir-se a bom ritmo e os juvenis das Galinhas-d’água (Gallinula chloropus), já bem crescidos, arriscavam-se para cada vez mais longe dos preocupados e sempre vigilantes “papás”.
Inspirado por estas, afastei-me para nascente, Cávado acima, até às minas desactivadas de Barqueiros que também servem de berço aos Mergulhões-pequenos (Tachybaptus ruficollis) e aos Galeirões (Fulica atra) e onde confirmei, pela primeira vez, a nidificação de Borrelhos-pequenos-de-coleira (Charadrius dubius).
E termino a redacção deste pequeno texto ainda extasiado pela última expedição em que participei no nosso País e cujas imagens serão aqui apresentadas em breve.
(1) AGRADECIMENTO: Enquanto ainda procuro apurar a melhor técnica para evitar que os grandes olhos dos Noitibós reluzam do modo inconveniente como surgem na segunda imagem, recorri à preciosa ajuda do impagável amigo Alberto Calheiros que, com os seus bastos e experimentados conhecimentos em tratamento de imagem, me permitiu que a primeira foto fosse algo mais do que apenas um grande clarão num fundo completamente negro.