quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

OBSERVAÇÃO DE AVES (DEZEMBRO 2009)

Resumo das minhas notas de campo sobre observação de aves no Estuário do Cávado e habitats envolventes

Embora de modo tímido, o último mês já foi mais generoso para os aficionados das actividades na natureza. E, no que concerne à observação de aves, não me refiro apenas à melhoria das condições climatéricas, mas principalmente à relevância de algumas das espécies que por cá se abrigaram.

Logo no segundo dia do mês, durante a manhã, foi registada a chegada de uma ave nunca antes observada por mim neste estuário e que de igual modo não consta na «Lista de aves referenciadas para o Parque Natural Litoral Norte»: - a Coruja-do-nabal (Asio flammeus).













































































































Desde então, este espécime isolado tem-se mantido por esta zona húmida, pelo que, face a período tão prolongado, (quase) já será possível concluir que não estaremos perante um indivíduo migrador de passagem ocasional, mas antes um invernante. Este facto ficará, por enquanto, por confirmar, mas como habitualmente os seus congéneres utilizam as áreas de invernada ano após anos e como, supostamente, este juncal cumprirá com os requisitos ecológicos exigidos pela espécie, será previsível que se torne visita assídua nos próximos Invernos. Apesar do nome, esta ave da Ordem dos Strigiformes, Família Strigidae, é menos observada nos terrenos agrícolas da margem direita, ou seja, pelo nabal de Gandra, do que no prado juncal que se estende desde a frente ribeirinha de Fão até ao cais do Caldeirão. É precisamente nesta extensa área aberta que, com relativa facilidade, poderemos observar o comportamento curioso desta coruja de hábitos também diurnos na captura dos pequenos roedores que lhe servem de alimento. Ao contrário da maioria das rapinas, esta ave passa grande parte do tempo a descansar no solo ou a utilizar um poleiro baixo como posto de observação para detectar as presas, o que resulta em circunstâncias pouco favoráveis para os muitos curiosos que têm tentado encontrá-la. Numa palavra de estímulo aos que ainda não puderam contemplar os seus voos rasantes intercalados de repentinos mergulhos na direcção da erva alta, asseguro que, se formos suficientemente discretos, mesmo sem recurso a esconderijo, esta ave não se manifestará muito perturbada com a nossa presença no seu terreno de caça que inspecciona várias vezes ao dia. Mesmo assim e como se tornará evidente, se nos dirigirmos na sua direcção tentando aproximarmo-nos, logo se sentirá ameaçada e procurará refúgio bem longe. Será, pois, recomendável esperar que a coruja tome a iniciativa de nos privilegiar com a sua aproximação – todas as imagens acima exibidas foram assim obtidas, a fraca qualidade deve-se apenas à inabilidade do autor (o material usado também é modesto).

A Coruja-do-nabal apresenta algumas semelhanças com o Bufo-pequeno (Asio otus) e a Coruja-do-mato (Strix aluco), ambos de hábitos exclusivamente nocturnos.

Quanto ao estatuto de conservação, esta espécie está considerada «Em Perigo» e consta no anexo A-I da Directiva Aves. A SPEA considera-a uma invernante «Pouco Comum» e migradora de passagem «Rara».

O que quer que acontecesse a partir de então, estaria desde logo justificada uma visita demorada a este estuário, o que de facto acabou por suceder com as constantes “romarias” de observadores de aves à área de ocorrência habitual de tão ilustre espécie (pena é que ainda haja meia dúzia de “indígenas” que se lembram de fazer do local a sua lixeira).

E não ficamos só por aqui. Entretanto, começou a correr notícia por entre o número crescente de birdwatchers de que estaria por aí um, tão tímido quanto raro, Íbis-preto (Plegadis falcinellus). Tal facto, apenas acabei por confirmar no dia 12 que julgo ter correspondido ao momento da sua partida para sul. Nessa data, ainda os primeiros raios de sol não passavam de uma promessa, a ave, vinda dos lados da foz, procurou abrigo precisamente ao largo da frente ribeirinha de Fão, no entanto, tanto as comunidades de patos como as de gaivotas não acolheram com bons modos a “estranha” que volvidos alguns minutos debandou, decidida, na direcção do Caniçal da Apúlia ao longo da EN 13. Segui-a, mas quando através das lentes dos meus binóculos a ave já não era mais do que um minúsculo ponto preto, julgo que já teria passado largamente aquele importante biótopo/refúgio e jamais a avistei.

Mas estávamos, definitivamente, no mês das aves de presa. Entre rapinas tão comuns como a Águia-de-asa-redonda (Buteo buteo) ou o Peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus), também já passaram a ser habituais as fugazes incursões do Gavião (Accipiter nisus) por toda a extensão do juncal e pelos terrenos de cultivo de ambas as margens do Cávado.



















Não menos assídua foi também a “velhinha” Águia-pesqueira (Pandion haliaetus) que parece ter readquirido as aptidões de outros tempos e agora só raramente regressa a montante com as garras desocupadas. Porém, algo mais relevante nos esperava. Ininterruptamente, desde há pelo menos 12 anos, uma (ou mais) fêmea(s) de Tartaranhão-dos-pauis (Circus aeruginosus) inverna(m) neste estuário. No entanto, no dia 13, depois de alertado para o facto de dois indivíduos desta espécie terem sido observados em simultâneo junto à zona agrícola das Pedreiras em Fão, confirmei, pela primeira vez nesta área, a presença de um macho adulto que desde então, juntamente com a fêmea do costume, reclamaram para si todo este território até à restinga.

Muito frequentado esteve ainda o meio aquático. Além das populações de Patos-reais (Anas platyrhynchos) selvagens que neste Inverno, comparando com os últimos anos, estão a ocorrer em muito menor número, também se mantiveram por cá os habituais pequenos bandos de Piadeiras (Anas penelope) e Frisadas (Anas strepera). Mais uma vez, com insistência, procurei obter algumas fotos destas espécies bravias, que fazem da prudência a sua principal característica comportamental, contudo continuei apenas a poder registar a sua presença neste estuário com imagens a grande distância e que pouco importa aqui apresentar. Valeu-me, para o efeito, um dos grupos de Marrequinhos (Anas crecca), também comuns por estas paragens no Inverno, que num momento de distracção lá passaram, velozes, a poucas dezenas de metros da minha teleobjectiva.





































Como não poderia deixar de acontecer nesta época do ano, embora só o faça por mera curiosidade, na segunda semana do mês ainda inspeccionei a zona ribeirinha de Fão na procura de novidades entre espécies exóticas ou ferais que por ali se tivessem abrigado e que me facilitassem a ilustração deste texto. Estranhamente, além dos habitués patos-reais mansos, dos patos-mudos e do cisne, apenas observei uma fêmea de Arrábio (obviamente feral) e uma exótica originária da América do Sul, muito usada na Europa como ornamental, e que não ficou indicada na Parte VII (Anatídeos Exóticos) do estudo sobre a avifauna deste estuário que apresentei ao longo do último ano: - refiro-me à Marrequinha-de-coleira (Callonetta leucophrys).





































Para finalizar a abordagem aos patos e afins, deve ser salientada a observação, pelo curso do rio compreendido entre a ponte de Fão e os estaleiros de Esposende, de três espécimes selvagens menos comuns por cá, também muito cautelosos, mas que durante a segunda e terceira semana de Dezembro ainda me possibilitaram o registo da sua ocorrência: - um Arrábio (Anas acuta) (macho), uma Negrinha (Aythya fuligula) (fêmea) e um Merganso-de-poupa (Mergus serrator) (fêmea).













































































































Continuando na beira-rio, nas últimas semanas assinalei que se tornou mais difícil avistar os Mergulhões-de-pescoço-preto (Podiceps nigricolis), mas ignoro se tal facto estará associado à redução do número de indivíduos presentes ou a outro qualquer motivo. Nos locais normalmente frequentados por estas raras aves, ou seja, o plano de água que se estende desde as imediações da Estalagem do Parque do Rio pela margem esquerda até ao Edifício Salva Vidas no lado oposto, é agora perceptível uma maior ocorrência do congénere mais comum, Mergulhão-pequeno (Tachybaptus ruficollis).

As limícolas migradoras de passagem, que por enquanto escasseiam, ainda vão sendo representadas por um ou outro espécime que ficou esquecido, como o Perna-vermelha (Tringa totanus) ou o Maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa).
























































No entanto, os bandos das invernantes típicas vão engrossando os seus efectivos, conforme se pode testemunhar nos ajuntamentos dos Pernas-verdes (Tringa nebularia), das discretas Tarambolas-cinzentas (Pluvialis squatarola) e Narcejas (Gallinago gallinago) ou dos cintilantes Abibes (Vanellus vanellus).























































O aproximar do fim do mês reservava-nos ainda uma ocorrência relevante: - um Chapim-azul (Parus caeruleus), observado no dia 23 na pequena Depressão Húmida das dunas entre a praia das Pedrinhas e da Sra. da Bonança em Fão, junto ao passadiço sobrelevado. Apesar de ser uma das espécies mais comuns em Portugal continental, no litoral norte é tão rara que no meu próprio inventário apenas assinalei a presença de um indivíduo em Novembro de 2000. Felizmente, naquele dia estava acompanhado pelo Carlos Rio que captou magistralmente o momento (não deixe de contemplar a imagem/documento publicada no Fão Natural). E para ilustrar esta parte do texto destinada aos passeriformes, restou-me o “primo” Chapim-preto (Parus ater) e um minúsculo Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis), ambos “cá da casa” e que fizeram o favor de posar para uma lente recém adquirida.
























































Para finalizar, e quase em jeito de ligação ao próximo texto de Janeiro, no qual vou destacar uma ave da Família Rallidae, deixo o registo de três Galinhas-d’água (Gallinula chloropus) que, desde os últimos dias do mês, se abrigaram na interessante galeria arbórea localizada na entrada sul de Fão que, se exceptuarmos as dimensões, é em tudo semelhante ao biótopo de relevante valor faunístico denominado por Caniçal da Apúlia.