sexta-feira, 30 de setembro de 2011

OBSERVAÇÃO DE AVES (AGOSTO 2011) (Anexo)

Confirmação da ocorrência de duas novas espécies de PASSERIFORMES


No território nacional a extensa ordem dos Passeriformes conta com diversas famílias onde se destacam, pelo grande número de espécies que as compõem, a Turdidae (tordos e afins) e a Sylviidae (felosas e toutinegras). O passado mês de Agosto trouxe ao estuário do Cávado um par de novidades pertencentes precisamente a estas duas famílias. Como mantenho a intenção de desenvolver em separado a apresentação das novas espécies que ainda vou descobrindo nesta zona húmida, a última «Lista anotada e ilustrada das aves observadas no Estuário do Cávado e habitats envolventes» que aqui publiquei ficou substancialmente encurtada. Completo-a, agora, com o texto que se segue.


Família Turdidae

De entre as dezanove espécies de turdídeos que ocorrem com regularidade em Portugal continental (ainda há mais algumas acidentais), dez já estavam identificadas neste estuário. Além do conhecido Melro-preto (Turdus merula), do Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula); do Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) e do Cartaxo-comum (Saxicola torquata), todos comuns ao longo das quatro estações do ano, ainda está registado entre nós como residente o Tordo-músico (Turdus philomelos), no entanto, apesar da notada expansão, são poucos os efectivos reprodutores e nem sempre são fáceis de localizar. Em números mais escassos surge o Tordo-ruivo (Turdus iliacus) e a ocasional Tordeia (Turdus viscivorus) a representarem os invernantes, ainda que estatuto da segunda seja difícil de determinar. Completam esta lista os migradores de passagem Cartaxo-do-norte (Saxicola rubetra), Chasco-cinzento (Oenanthe oenanthe) e o Pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica).

Relativamente aos residentes, todos foram avistados em Agosto. Quanto aos Piscos-de-peito-azul, os primeiros passantes foram por mim registados no dia 20, mas há a acrescentar que, embora sejam mais vulgares de Agosto a Outubro, alguns espécimes podem permanecer por cá durante o Inverno. Os outros dois migradores, assim como os invernantes, não foram por mim detectados naquele mês.

Mas um observador de aves atento deve ter sempre uma noção aproximada do que ainda pode esperar para lá do que já inventariou na sua área de estudo. Passemos, então, a uma breve análise das restantes espécies desta família que até agora não constavam na minha lista para o estuário Cávado.

No mínimo improvável para esta região será a ocorrência de cinco das nove que faltam mencionar. O Rouxinol-do-mato ou Solitário (Cercotrichas galactotes), o Chasco-ruivo (Oenanthe hispanica), o Chasco-preto (Oenanthe leucura), o Melro-das-rochas (Monticola saxatilis) e o Melro-azul (Monticola solitarius), não são previstos no litoral norte, não só pela sua área de distribuição mais meridional e/ou interior, mas sobretudo por estarem associados a habitats muito distintos dos que aqui podem encontrar.

Ainda existem outras três cujos hábitos, área de distribuição e habitat me levam a considerar a sua passagem nesta faixa costeira como pouco esperada mas possível por serem migradores. O Rabirruivo-de-testa-branca (Phoenicurus phoenicurus) é uma ave que tipicamente frequenta paragens bem distantes, mas como há movimentos no nosso território de aves nidificantes provenientes de outras zonas da Europa Ocidental e até do Norte de Portugal, julgo que, com um pouco mais de esforço de procura, um dia o poderei encontrar em trânsito algures no pinhal de Ofir. O mesmo pode ser dito em relação ao Melro-de-peito-branco ou Melro-de-colar (Turdus torquatus), contudo, se algum dia uma ave destas se desviar até cá, haverá maior probabilidade de ser encontrada nas dunas ou nas margens do estuário, em detrimento das zonas mais arborizadas. A área de ocorrência da terceira ave, o Tordo-zornal (Turdus pilaris), que no início do século passado teria sido muito abundante no litoral norte, não está bem estudada pelos ornitólogos nacionais, mas mantenho a esperança de que, perante um Inverno mais rigoroso nos países nórdicos, esta espécie encontre acolhimento neste confortável cantinho da nossa península.

Por fim, passemos ao nosso primeiro protagonista cuja ocorrência já era por mim considerada como provável neste estuário. Embora seja raro em todo o noroeste do nosso país, o Rouxinol-comum (Luscinia megarhynchos) dispõe de habitat aparentemente favorável nesta região. Nalgumas das minhas notas de campo dos meses de Agosto e de Setembro de anos anteriores constam vários registos de aves que nunca consegui identificar com toda a segurança, mas as características morfológicas observadas não excluíam a hipótese de se tratar desta espécie. Mais uma vez, desde o início de Agosto mantive-me atento às primeiras migradoras de passagem. Logo no primeiro dia, nos silvados da margem esquerda junto aos campos de cultivo que se estendem da pousada de juventude até ao cais do Caldeirão em Fão, ouvi várias vocalizações muito parecidas com as do Pisco-de-peito-azul ou do Chasco-cinzento mas com uma sílaba notadamente mais rouca e grave. A partir daí e até ao dia 11, fazendo uso de sons gravados, atraí as aves que surgem nas imagens que se seguem.







 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Apesar das aparições breves e discretas por entre a vegetação arbustiva, resultado de um característico comportamento tímido, não restaram quaisquer dúvidas de que estava perante o Luscinia megarhynchos (Rouxinol-comum). Sem me ter concentrado em contagens, no segundo dia cheguei a observar três indivíduos em simultâneo. Desde aí passei a assinalar aqueles sons também na margem oposta sobretudo nos campos cultivados de milho.
 
Este rouxinol não consta na Lista de Aves referenciadas para o Parque Natural Litoral Norte (PNLN) na respectiva caracterização biológica e está indicada no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal com o estatuto de conservação «Pouco Preocupante». Catry P., Costa H., Elias G. & Matias R. 2010. em AVES DE PORTUGAL – ORNITOLOGIA DO TERRITÓRIO CONTINENTAL. Assírio & Alvim, Lisboa, referem-se a esta ave como estival comum.

 
Família Sylviidae
 
Das trinta e duas espécies de silvídeos identificados em Portugal continental, apenas vinte e quatro são consideradas regulares. Destas, são várias as que são raras e as que se distribuem por outras regiões ou que, então, estão mal estudadas no nosso país. A par disto, também são muitas as dificuldades para identificar estas aves, tantas vezes “iguais” às congéneres, mesmo para os mais experimentados. Assim, antes de apresentar a nova espécie agora registada, apenas vou destacar algumas daquelas cuja ocorrência e detecção me parecem mais plausíveis para esta zona húmida.
 
Em primeiro lugar, passo a enunciar as doze espécies que constam na minha lista, começando por aquelas cuja ocorrência confirmei em Agosto.
 
Entre as residentes, assinalei nesse mês a presença do conspícuo Fuinha-dos-juncos (Cisticola juncidis);







 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
da Toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla); da Toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala);







 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
da discreta Felosa-do-mato ou Toutinegra-do-mato (Sylvia undata), que apenas observei no dia 3, e da pequena Estrelinha-real (Regulus ignicapillus).
 
A estival reprodutora Felosa-poliglota (Hippolais polyglotta) também foi avistada, mas, conforme já aqui referi, o seu número reduziu-se substancialmente devido à eliminação de uma grande parcela de silvados onde costumava nidificar.
 
Os migradores de passagem começaram a aparecer no início do mês. Logo no primeiro iniciou-se a habitual invasão da Felosa-musical (Phylloscopus trochilus);








 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ao terceiro dia surgiram, também em grande número, os Papa-amoras (Sylvia communis)







 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
e, por fim, no dia 29 foi avistado o primeiro Rouxinol-pequeno-dos-caniços (Acrocephalus scirpaceus)




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As restantes três espécies, ou seja, o Rouxinol-bravo (Cettia cetti), que por cá apenas ocorre após a nidificação, a rara migradora de passagem Felosa-das-figueiras ou Toutinegra-das-figueiras (Sylvia borin) e a invernante Felosa-comum ou Felosinha (Phylloscopus collybita), não foram observados em Agosto.
 
Também podemos acrescentar a esta lista outras duas aves já registadas nesta área protegida mas cuja presença nunca foi por mim verificada: a Felosa-malhada ou Cigarrinha-malhada (Locustella naevia), descoberta em Setembro do ano passado no juncal pelo Sérgio Esteves, e o Rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus) indicado na “Caracterização Biológica do Plano de Ordenamento do PNLN” como presente no caniçal.
 
Apesar de nunca confirmadas no PNLN, ainda considero como possível a ocorrência local de mais algumas aves desta família. A Felosa-unicolor ou Cigarinha-ruiva (Locustella luscinioides), apontada em Portugal como estival nidificante rara a pouco comum, encontrada sobretudo na Ria de Aveiro, mas indicada no Atlas das Aves Nidificantes em Portugal com reprodução confirmada na foz do rio Minho e presente no Lima, será certamente uma dessas remotas mas justificadas possibilidades. Também a Felosa-aquática (Acrocephalus paludicola) nos poderá algum dia surpreender nestas paragens, pois, embora rara, é uma migradora de passagem que no início do século passado foi comum no litoral norte. A Felosinha-ibérica (Phylloscopus ibericus), estival nidificante pouco comum a comum será, destas, a ave mais provável de surgir na região mas as suas parecenças com a Felosinha não devem facilitar a tarefa de a identificar convenientemente. Por fim, a Estrelinha-de-poupa (Regulus regulus) está disseminada por todo o continente nacional enquanto invernante rara a pouco comum e, como frequenta habitats existentes no nosso litoral, os pinhais, poderá ser que alguma vez nos visite.
 
Além destas ainda existem oito espécies acidentais, outras cinco mais associadas a habitats muito diferentes dos do litoral norte ou raras em Portugal, todas improváveis nesta região ou extremamente difíceis de distinguir, e, finalmente, o agora décimo terceiro silvídeo da minha lista.
 
Nos últimos dias de Agosto deparei-me com duas ou três aves em locais distintos, entre o sapal próximo da ETAR e os campos de cultivo que se estendem até próximo da doca de pesca, muito parecidas com Fuinhas-dos-juncos mas com um comportamento muito mais discreto, pois quase nunca se expunham por entre os juncos durante mais de algumas fracções de segundo. Na manhã do dia 30, enquanto tentava atrair com sons gravados alguns Rouxinóis-pequenos-dos-caniços a jusante da ponte velha, na mesma margem direita, fui subitamente surpreendido pela agitação de três ou quatro Fuinhas-dos-juncos a vocalizarem no topo dos funchos enquanto “rastejava” na base dos juncos uma ave que passou em frente à minha teleobjectiva por breves instantes e logo desapareceu. Em tais circunstâncias, ainda foi possível obter as duas imagens que se seguem.




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Confirmei, assim, com toda a segurança, a presença no estuário do Cávado da Acrocephalus schoenobaenus (Felosa-dos-juncos) que apesar de tudo, em AVES DE PORTUGAL – ORNITOLOGIA DO TERRITÓRIO CONTINENTAL, está indicada como migradora de passagem pouco comum a comum. Esta também não consta na Lista de Aves referenciadas para o PNLN. Não encontramos o seu nome no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal mas a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) considera o seu estatuto de conservação ao nível global de «Pouco Preocupante».