quinta-feira, 25 de setembro de 2008

APOLOGIA DO ÓBVIO

Ainda antes do último período das férias estivais, andava eu pelos movimentados corredores da minha livraria de eleição na procura habitual por mais uns livros sobre ecologia ou interpretação da natureza quando a determinada altura, reduzido à condição do comum pecador que sou, começou a apossar-se de mim aquele sentimento de frustração por não encontrar qualquer novidade que me pudesse satisfazer aquela perigosa sensação de conquista que nos atinge quando compramos algo – coisa tão pouco amiga do ambiente! E lá estava eu prestes a desistir quando, no trajecto entre a zona dedicada aos guias da natureza e a de divulgação científica, em plena secção reservada aos temas sobre «Gestão» se me prendeu o olhar num livro que ostentava na capa as letras garrafais “GANHAR COM A BIODIVERSIDADE”. Instantaneamente agarrei-o quase com medo que alguém mo roubasse e retive-me naquele breve correr de páginas obrigatório antes de decidir levá-lo para a mesa-de-cabeceira onde ficou a fazer-me companhia desde então.

Ficha Técnica
Título: “GANHAR COM A BIODIVERSIDADE
Edição: Actual Editora – Maio de 2008
Autores: João Pereira Miguel, Luís Ribeiro Rosa e Susana Barros.
Coordenação: Francisco Mendes Palma
Website:
www.actualeditora.com

Estou certo que para quem me tem acompanhado neste espaço está claro que não faz parte dos meus objectivos, enquanto bloguer, usá-lo para fins publicitários mas como entendo que os conceitos expostos naquele livro devem ser francamente assumidos como prioritários nas tomadas de decisão tanto ao nível pessoal, como em termos empresariais e obviamente políticos, sinto que não podia despedir-me da leitura daquele documento sem prestar aqui uma singela homenagem aos seus autores e aconselhar vivamente quem desempenha responsabilidades de gestão empresarial ou autárquica a uma leitura atenta. Antes de avançar devo ressalvar que não sou propriamente um adepto da protecção da biodiversidade pelos seus valores mais tangíveis porem, como nem todos desenvolvem a mesma sensibilidade abnegada para estas questões, não resisti à tentação de fazer uso daquele tipo de argumentos pela "defesa da minha dama”. Mas também não temos opção, é inquestionável que o futuro da Humanidade depende da nossa capacidade de preservar a diversidade biológica.

A minha capacidade para apresentar em resumo o que quer que seja é simplesmente péssima mas muito sumariamente posso adiantar que este livro, que surge no contexto da Iniciativa Business & Biodiversity *, promovida pelo nosso país durante a Presidência Portuguesa da União Europeia em 2007, desenvolve ao longo dos seus seis capítulos temas como a definição do conceito de Biodiversidade (variedade de formas de vida), apresenta alguns dos motivos que justificam a sua preservação (valores económicos, ambientais, éticos e emocionais), enumera os vários acordos/estratégias/tratados internacionais entre países que, reconhecendo explicitamente o fenómeno da perda de biodiversidade, fixaram a si próprios metas/objectivos para suster ou inverter as ameaças contra a vida na Terra (desde a Conferência do Rio em 1992), depois avança para abordagens aos vários tipos de oportunidades de negócio ou actividades económicas que as nossas empresas podem desenvolver na área da biodiversidade (agricultura, floresta, pescas, caça, energia, resíduos, obviamente o turismo …), terminando com exemplos concretos de experiências ou projectos empresariais nacionais que já obtiveram e, decididamente, continuarão a obter sucesso por não negligenciarem a dimensão ambiental que convertem num valor acrescentado de negócio.

Pessoalmente considero que, em termos nacionais, é de assinalar o sentido de oportunidade da edição de um livro dedicado a este tema pela especificidade de Portugal enquanto região integrada num hotspot de biodiversidade (somos particularmente ricos pela existência no nosso território de uma elevada variedade de formas de vida). Mas o que mais me chamou à abordagem deste assunto, como sempre, foi a sua pertinência em relação à realidade do Concelho de Esposende pela singular diversidade de sistemas naturais (biótopos) que por aqui ainda vão subsistindo contra um sem número de ameaças de origem humana que teimam em fazer desaparecer para sempre e a um ritmo vertiginoso o nosso valioso património natural, tornando vital a promoção de um debate urgente envolvendo os nossos decisores políticos, os agentes económicos locais e toda a sociedade civil em torno das várias potencialidades que encerra o tema Biodiversidade, entre as quais gostaria de destacar um sector que nos é tão caro – o turismo **.

É vulgar reconhecer o peso crescente do turismo na economia nacional e a sua importância como fonte geradora de postos de trabalho. Neste âmbito, penso que concordam comigo se disser que em termos climáticos o Litoral Norte de Portugal não se apresenta propriamente em condições de competir com a grande maioria dos destinos turísticos da bacia mediterrânica, onde se inclui o Algarve, ou mesmo com a região centro do nosso país. Isso não significará certamente que a nossa oferta turística está votada ao fracasso. O livro a que me refiro recorre a vários estudos e exemplos para demonstrar a viabilidade do nosso potencial no segmento do ecoturismo. Começa por enunciar as principais motivações dos nossos habituais visitantes que estarão relacionadas com o turismo de lazer e de recreio onde se insere o Turismo da Natureza, o qual, por si só e apenas na Europa, ganha cada vez mais importância (22 milhões de viagens em 2004). Depois evidencia os interesses dos europeus que nos consideram um destino adequado para esse efeito, desde que sejamos capazes de oferecer espaços naturais protegidos (e bem conservados). Conclui-se ali que, ainda assim, para se obter o êxito desejado neste sector, será essencial preparar e organizar a recepção dos desejados turistas criando ou desenvolvendo as ainda quase inexistentes infra-estruturas e serviços.

E SERÁ QUE ESTE TRUNFO SE PERPETUARÁ?

As condições biofísicas que se foram desenvolvendo no nosso litoral resultaram numa peculiar multiplicidade de comunidades vegetais que, por sua vez, servem de suporte de vida a uma infinidade de organismos (biodiversidade) cuja conservação está exposta a diversos factores de risco. As origens destes estão, neste momento, bem determinadas e identificadas pelas autoridades mas, ainda assim, persistem. A saber:

Biótopo (B): Areias de praia; cristas dunares móveis
e dunas consolidadas
Ameaças frequentes (AF): Edificação de moradias por via de um PDM simplesmente desastroso. Excesso de pisoteio e de circulação de veículos. Erosão. Obras de engenharia costeira. Invasão por flora exótica.

(B): Depressões húmidas intradunares
(AF): Captação em excesso de água dos aquíferos subterrâneos ou drenagem desadequada. Destruição directa do habitat por alteração ao uso do solo, nomeadamente através de construções, aterros, parques de estacionamento e abertura ou alargamento de caminhos e outras vias de comunicação. Invasão por plantas infestantes.

(B): Mata dunar de pinheiro e/ou de folhosas
(AF): Propagação de vegetação exótica infestante. Promoção da pressão imobiliária e turística, progressivamente mais elevada e especulativa, permitida por instrumentos de gestão territorial caducos e que teimam em não ser corrigidos por quem cometeu o erro de os elaborar. Despejo de lixo, entulho e outros resíduos. Mobilizações profundas do solo e a sua destruição, designadamente por exploração de inertes; construções várias; aterros; abertura de vias de comunicação.

(B): Caniçal
(AF): Contaminação química, escoamento e gastos excessivos de água dos aquíferos subterrâneos por via de uma agricultura desregrada. Destruição do habitat por alteração da topografia.

(B): Florestas aluviais residuais
(AF): Limpeza desregrada das margens dos cursos de água e artificialização das zonas ribeirinhas. Invasão por flora exótica. Pressão imobiliária.

(B): Estuário, prado juncal, sapal e lodaçais ou zonas intermareais
(AF): Poluição por efluentes não tratados. Dragagem de fundos. Pesca ou apanha por métodos impróprios. Obras de engenharia causadoras de alterações ao regime de correntes e à dinâmica sedimentar. Destruição directa do habitat por ocupação ou artificialização através de construções (p. ex. portos, marinas, marginais, aterros, etc). Extracção de areias.

(B): Águas dulciaquícolas correntes
(AF): Omnipresente poluição por efluentes não tratados. Dragagem de fundos. Extracção de areias. Despejo de lixo, entulho e outros resíduos.

(B): Recifes e águas marinhas
(AF): Poluição por derrame de produtos poluentes (p. ex. hidrocarbonetos). Excesso de pesca e apanha de organismos marinhos.


Que bom seria se os autarcas do Concelho de Esposende encarassem de facto o bem ou o recurso BIODIVERSIDADE numa perspectiva lúcida e esclarecida.



* O principal objectivo desta Iniciativa da União Europeia é o incremento do relacionamento entre as empresas e a biodiversidade, permitindo que se dê um contributo significativo para a protecção da biodiversidade e para a prossecução da Meta de 2010, de parar a perda de biodiversidade a nível local, nacional, regional e global.
A Iniciativa procura promover, através de acordos voluntários de longa duração, um campo comum para a colaboração entre estes dois sistemas distintos: negócios e biodiversidade, que favoreça a introdução da biodiversidade nas estratégias e políticas das empresas. Como se trata de parcerias, é necessário que existam voluntários, ou seja, que os acordos estabelecidos sejam ganhadores para ambas as partes. (Fonte ICNB)

Neste âmbito são já vários os agentes económicos nacionais que, considerando prioritária a inclusão do tema da biodiversidade nas decisões empresariais, assinaram a respectiva “Declaração de Compromisso pela Biodiversidade”.


** A autarquia esposendense até já promove um vasto programa de comemorações no Dia Mundial do Turismo.


NOTA: A foto na abertura refere-se à forma larvar da borboleta Papilio machaon obtida na Mata de Folhosas e Pinheiro localizada na ameaçadíssima área florestal entre Fão e Apúlia.