Família Anatidae
Das
37 espécies de anatídeos registados em Portugal Continental num aparente estado
selvagem (categoria A), 22 foram observadas no estuário do Cávado durante os
últimos dezasseis anos e a estas ainda acrescem 3 de proveniência duvidosa (categoria
D) e 9 exóticas que após a fuga ao cativeiro (ou introdução na natureza)
procuraram aqui o seu abrigo (categoria D). Assim, é seguro afirmar que nesta
zona húmida se desenvolvem condições muito favoráveis para o acolhimento destas
aves aquáticas, em particular durante o seu período de invernada ou nas pausas
migratórias. No livro AVES DE PORTUGAL – Ornitologia
do Território Continental, Catry P., Costa H., Elias G. & Matias R. referem
que aqui as restantes 15 espécies são todas de ocorrência acidental, mas isto, porém, não significa que não deva haver algum esforço
na sua procura. A comprová-lo está a recente “descoberta” na foz do Cávado de Caturros
ou Zarros-de-colar (Aythya collaris), aves originárias da
América do Norte que nos surpreenderam com a sua visita no último outono.
Com
a partida logo em meados de janeiro das últimas Piadeiras (Anas penelope) e Frisadas (Anas strepera) e das Marrequinhas-comuns
(Anas crecca) que permaneciam no
juncal, no mês de fevereiro apenas se restou no estuário o bando desta última espécie
que se distribuía a montante da ponte velha (no dia 1 foram ali contados 74
indivíduos) e os omnipresentes Patos-reais (Anas
platyrhynchos). Na marginal de Fão ainda podiam ser observadas as não autóctones
já habituais, como o Ganso-chinês (Anser cygnoides), o macho de Marreca-de-coleira
(Callonetta leucophrys) e o híbrido
de Marreca-oveira ou Piadeira-do-chile (Anas
sibilatrix). Por determinar ficou a origem da fêmea de Pato-casarca ou Pato-ferrugíneo
(Tadorna ferruginea) que no dia 14
surgiu num terreno alagado na mata de pinheiro e folhosas entre Fão e Apúlia.
Além destas, ainda podiam
ser avistadas no mar as Negrolas-comuns, também conhecidas por Patos-negros (Melanitta
nigra)
que se concentravam sobretudo em dois grandes bandos, um a norte da foz que no início
do mês ultrapassou as cem aves e outro a sul do esporão da praia de Ofir que
quase atingiu igual cifra. Ao longo do mês este número foi diminuindo até que
no final quase não excediam a dezena de indivíduos, mas foi precisamente para
estes bandos que dirigi grande parte da minha atenção durante este começo de
ano na esperança de distinguir, entre todos, algum congénere mais raro –
refiro-me aos M. fusca ou até aos M.
perspicillata.
E, porque não, algum Pato-rabilongo (Clangula
hyemalis)?
A(s) ave(s) desta espécie observada(s) no Algarve na segunda metade de janeiro
e no início de fevereiro de 2013 trouxeram-me à memória as palavras de Hugo
Zina em 9 dezembro de 2012 no «Raridades On Line» a darem nota da presença de
uma destas aves em São Martinho do Porto – Alcobaça: - “Hoje na baía
de S. Martinho vi uma fêmea adulta de Clangula hyemalis. Foi pelo meio-dia e
estava associada a um pequeno bando de Melanitta nigra …”
Os
mais experientes na observação de “marítimas” a longa distância estão com
certeza habituados a ver as negrolas a exporem o ventre branco enquanto se penteiam.
Eu, menos avisado, cheguei a confundir esta posição e, não poucas vezes,
considerei a possibilidade de estar perante alguma espécie de pato com o flanco
branco e a hipótese hyemalis era, por
via daquelas palavras do Hugo Zina, uma das que melhor encaixava. Só que o
vaivém das ondas e os constantes mergulhos destes patos transformavam aqueles
vislumbres num autêntico «jogo das escondidas» cuja derrota pendia invariavelmente
para o lado do observador. Isto também me obrigou a desenvolver um pouco mais
os estudos sobre os hábitos dos Patos-rabilongos, a sua fenologia, a história
dos seus registos conhecidos no nosso país e, em particular, sobre a sua
morfologia externa e a multiplicidade de plumagens com que nos podem surgir.
A
área de distribuição desta espécie no Paleártico Ocidental (ver imagem)
resume-se às regiões árticas durante o período reprodutor e ao norte da Europa,
Ilhas Britânicas e regiões alpinas no inverno.
Isto justifica o facto de nos últimos vinte anos
não se conhecerem sequer vinte ocorrências destes patos em Portugal Continental.
Era, pois, muito remota a possibilidade de os inscrever no meu inventário para
este estuário, até porque nenhum daqueles registos se verificou a norte da Ria
de Aveiro. Mas ao final da manhã do dia 8 de fevereiro de 2013, a partir da marginal de Esposende, avistei uma ave
pousada na água que seguia pelo canal principal para montante entre os molhes e
a restinga.
Apesar
da longa distância a que obtive estas imagens, identifiquei imediatamente a ave
como sendo um Pato-rabilongo
(Clangula hyemalis). Tinha
resultado, afinal, toda a preparação anterior. Na tentativa de registar mais
alguns detalhes da plumagem, contornei logo de seguida o estuário até à margem
oposta mas jamais relocalizei a ave, porém, através de ajuda, ainda me foi
possível estabelecer que a plumagem apresentada corresponde à de um macho com a
idade de um 1º inverno em muda.
Este
registo foi submetido ao Comité
Português de Raridades mas ainda aguarda a atribuição do respetivo código.
A União
Internacional para a Conservação da Natureza conferiu a esta espécie o
estatuto de conservação global de vulnerável.
Família Sylviidae
Em
setembro de 2011, por altura da última inscrição de um silvídeo no meu
inventário para o estuário do Cávado e habitats envolventes (quadrícula UTM
NF19), desenvolvi aqui
um apontamento sobre as 13 espécies desta família (toutinegras,
rouxinóis, felosas e afins) que identifiquei até à data na região e ainda sobre
a ocorrência também confirmada na mesma área, embora nunca por mim verificada, da
Cigarrinha-malhada ou Felosa-malhada (Locustella
naevia) e do Rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus). Naquela oportunidade não me referi,
porém, ao insólito registo de uma Toutinegra-real
(Sylvia hortensis) no caniçal da Apúlia,
efectuado por Francisco Campinho num mês de setembro da década de 1980, em
virtude desta informação apenas me ter chegado ao conhecimento através do João
Lourenço a posteriori. Mas, já então,
propus-me indicar quais seriam, entre as restantes 16 espécies já registadas
para Portugal Continental, as que poderiam ser aqui encontradas com maior grau
de probabilidade, ou seja, a Cigarinha-ruiva ou Felosa-unicolor (Locustella luscinioides), a Felosa-aquática
(Acrocephalus paludicola), a Felosinha-ibérica
(Phylloscopus ibericus) e, por fim, a
Estrelinha-de-poupa (Regulus regulus).
(para saber mais remeto-vos para a hiperligação acima)
Assim, apesar do grande entusiasmo, não foi com total
surpresa que na manhã do dia 31 de outubro de 2012 recebi a comunicação do
Sérgio Esteves sobre a inédita observação de duas Estrelinhas-de-poupa nos
jardins das últimas moradias junto à restinga do Cávado (ver imagem aqui).
A partir de então dediquei especial atenção à procura desta espécie pelo pinhal
do núcleo turístico de Ofir, contudo, apesar do muito tempo despendido, apenas
ali fui encontrando a sua congénere mais comum, a Estrelinha-real (Regulus ignicapilla). Entretanto, já em
novembro, primeiro na plataforma Portugal Aves e depois nos Noticiários da SPEA,
sucederam-se os registos de Estrelinhas-de-poupa de norte a sul do país, o que
apontava claramente para uma muito maior afluência destas pequenas aves
relativamente aos últimos invernos, ainda que quase todos os registos se
referissem a aves isoladas ou a bandos diminutos.
Com as devidas reservas, pois o número eventualmente crescente
de observadores possa ter tido influência nos resultados, atente-se à
quantidade de registos da Estrelinha-de-poupa nos últimos cinco anos na
plataforma Portugal Aves:
- Outono / inverno 2008-2009 – 2
registos
- Outono / inverno 2009-2010 – 0 registos- Outono / inverno 2010-2011 – 3 registos
- Outono / inverno 2011-2012 – 7 registos
- Outono / inverno 2012-2013 – 37 registos
Se
por um lado isto me encorajava na sua procura, por outro frustravam-me as
inúmeras horas passadas sem as localizar. Em meados de janeiro, quando já
praticamente tinha desistido, por julgar que afinal apenas tinham ocorrido por
cá em passagem, vários observadores voltaram a encontrar a(s) ave(s) no núcleo
turístico de Ofir onde, ainda assim, continuei sem as ver durante várias
semanas. Decidi então alargar o perímetro de “busca” até à mata de pinheiro e
folhosas a sul do estuário, entre Fão e Apúlia, e aí, por fim, no dia 15 de fevereiro de 2013 avistei um
pequeno bando de Estrelinhas-de-poupa (Regulus
regulus) que não deveria ultrapassar os três ou quatro
indivíduos, todos com as penas na base do bico besuntadas com pólen de flores
de eucalipto, à semelhança do que é habitual nas felosinhas.
Volvidos dez dias voltei a encontrar um indivíduo no
mesmo local, onde predomina o seu habitat preferencial, o pinhal, e onde julgo
que com outras capacidades, nomeadamente a competência para identificar as suas
vocalizações, talvez estas aves fossem detetadas com maior frequência, apesar
da classificação de invernantes raras a
pouco comuns. No Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal consta
que esta é uma espécie «Não ameaçada».
Relativamente a
outros silvídeos, na área em estudo também foi registada durante o mês de
fevereiro a presença de Rouxinois-bravos (Cettia
cetti), Fuinhas-dos-juncos (Cisticola juncidis), Toutinegras-dos-valados
ou Toutinegras-de-cabeça-preta (Sylvia
melanocephala), Toutinegras-de-barrete(-preto) (Sylvia atricapilla), Felosinhas ou Felosas-comuns (Phylloscopus collybita) e Estrelinhas-reais
(Regulus ignicapilla). As Felosas-do-mato
ou Toutinegras-do-mato (Sylvia undata)
não foram observadas no estuário propriamente dito, mas eram muito abundantes
noutros habitats no concelho de Esposende, em particular no ambiente rupícola
do Monte da Senhora da Guia, em Belinho.